quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

“Eu devia estar contente...”


O pai e a mãe brincam com sua filhinha na praia à tarde em uma terça-feira. Muitos os chamariam de privilegiados por poderem aproveitar algumas horas com sua filha na praia enquanto outros estão promovendo o "progresso" de suas vidas. Estes, trabalhando dia após dia, lutando para receberem seus salários e assim pagar suas contas "pedindo a Deus" que sobre um pouco mais no final do mês e que dê para pagar um divertimento qualquer que lhes retire daquele clima tenso e estressante do trabalho. Aqueles, o pai, a mãe e sua filhinha, provavelmente devem ter uma vida mais "digna"; o pai deve possuir um emprego "melhor" porque consegue aproveitar, mesmo em período de trabalho, seu tempo – algo tão valioso em tempos atuais – e, com isso, conseguindo também pagar suas contas ao receber o salário sendo que, sem dúvida, deve-lhe sobrar um "pouco mais" para divertir-se com a família. Meu questionamento é: por que, então, que em tempos atuais há aquele que trabalha consumindo todo o seu tempo, praticamente, e aquele que trabalha, mas consegue obter tempo o suficiente para divertir-se, para realizar aquilo que desejar, sem mais tarde sofrer alguma perda, pelo contrário, ganhando até mais? Por que tem que ser deste jeito e não de outro? Em suma: por que uns vivem melhor e outros não? Não falo isto me direcionando exclusivamente ao sistema do qual nos fora imposto, mas sim ao longo da própria história da humanidade. Sempre se soube da existência do explorado e do explorador, daquele entendido como "mais esperto" que domina o outro, daquele que viu na imposição da força o poder controlar os mais fracos, e assim nasceu a civilização. De novo pergunto: por que tem que ser, necessariamente, dessa maneira? Já não vivemos no "melhor dos mundos possíveis"? Já não gozamos do supra-sumo da tecnologia moderna? Por que, enfim, ainda continuamos a explorar o outro?... Admito e compreendo que, no decorrer da história humana, continuamente houve também aqueles que procuraram, sob um certo aspecto, justificar a existência dessas "duas categorias" de seres humanos. Platão, em sua inquestionável obra que trata sobre a república, alegava uma aristocracia, o governo dos mais capacitados, como melhor forma de governar uma cidade, no entanto não procurava desmerecer as demais classes subalternas ou "inferiores" mesmo que estas tivessem tal aparência; ou seja, Platão justificava, a seu modo, o explorador diante do explorado, mas, ao mesmo tempo, concordava que para a cidade alcançar uma harmonia era indubitavelmente forçoso que tal harmonia fosse respeitada por ambas as classes, embora uma fosse "melhor" que a outra, e que assim cada classe procurasse encontrar seu valor não desmerecendo nem uma nem outra. Hegel será outro pensador que também tratará desta relação entre o explorador e o explorado de uma forma mais abrangente ao mesmo tempo que precisa – na relação entre senhor e escravo – na qual legitima, de certa forma, a existência tanto de um quanto do outro, ofertando ainda a compreensão de que um jamais conseguiria viver sem o outro; o senhor necessita da existência do escravo assim como o escravo necessita da existência do senhor; o patrão necessita do empregado assim como o empregado necessita do patrão. Nesse sentido, o escravo – ou o explorado – somente poderia encontrar sua "felicidade", digamos assim, se reconhecesse e identificasse seu desígnio de "escravo". Portanto seria pura perda de tempo alguém questionar: "como posso ser feliz sabendo que alguém está me explorando?" ou ainda "por que sou tão infeliz?". Tanto para Hegel como para Platão os seres humanos já nasceram, sob um certo aspecto, "predestinados" a exercer as categorias que lhes foram dadas pela constituição de suas classes na sociedade. A constatação de alguém ao saber que está sofrendo por causa da exploração do outro somente poderá ofertar-lhe o princípio do sofrimento que constitui a sua vida, cabendo a ele "acomodar-se" com tal desígnio "natural".
Aquele que sofre de uma maneira inconsciente acha-se satisfeito ou até mesmo feliz por gozar a vida, mas não consegue compreender que ele só está gozando a vida porque o explorador, o dono da empresa que ele trabalha de segunda até sábado ou até domingo, permite a ele tempo de folga – de diversão – a fim de que possa recompor suas energias, regressar no próximo dia de trabalho mais animado e assim esperar uma outra oportunidade de, novamente, poder gozar a vida e assim o ciclo continuar a repetir-se. Este, cuja inconsciência de seu sofrimento lhe é peculiar, ainda por cima não aceita – sequer pretende! – tentar conhecer o porquê de seu "natural" desígnio, sequer tenta compreender o porquê de sua realidade constituir-se daquela forma e encontrando em sua ignorância, às vezes muito bem-vinda, às vezes não, a satisfação maior.
Quiçá seja por isso que o número de suicídios é maior entre pessoas que possuem um pouco mais de cultura e, portanto, um poder aquisitivo também diferenciado; já nos casos inversos, o suicídio é praticamente inexistente. Um outro pensador, Shopenhauer, contemporâneo a Hegel, irá concordar que o ser humano sofre porque passa a conhecer a miséria, entenda-se, a realidade na qual está inserido, a saber, a realidade humana. Dor e sofrimento são, portanto, tudo aquilo que o homem pode conhecer. Em alguns casos, uns sofrem menos, em outros...

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