quinta-feira, 7 de maio de 2015

A Palavra do Senhor II

Tenho que tratar desse tema novamente. Faz-se mais do que necessário compartilhar essas experiências. Óbvio que são, em um determinado momento hilárias, mas não deixam de suscitar uma reflexão reincidente.

Lá estava em casa de minha mãe quando surge à porta os tão famigerados "queima-panela", apelido "carinhoso" atribuído aos religiosos da Igreja Testemunha de Jeová bastante comum por essas paragens - o velho preconceito religioso que ainda resiste por essa região. Como de costume em minha família, alguém, para se livrar o mais brevemente possível desses "missionários", sugere que eu vá recebê-los. Confesso que inicialmente não gostava muito, mas com o tempo passei a sentir um pouco de satisfação ao fazer isso, pois, o que mais me fascina nesse tipo de experiência, é ver a cara de espanto desses "discípulos de Jesus" quando falo de coisas que para eles soam como tabu.

A forma de abordagem parece ser sempre a mesma: perguntam logo se a pessoa visitada compreende o porquê das desgraças que acometem o mundo na atualidade - como que se o mundo já teve um tempo duradouro de paz e tranquilidade - e em seguida lhe impõe a pergunta se a pessoa visitada lê a Bíblia. Em um outro momento já vão abrindo a Bíblia e mostrando em que parte deste livro se encontra a "passagem reveladora" que irá demonstrar laconicamente a razão de um mundo estar como está. É aí que eu os surpreendo...

Ao me perguntar, o jovem aparentemente de trinta anos, se eu acreditava nas palavras da Bíblia, ele crente de que a resposta seria sim, digo-lhe que não... Pronto. Desarma-se o rapaz e sua face é de um susto ensurdecedor que o faz, inclusive, refazer a pergunta: "...Você não acredita em Deus?" E de novo lhe respondo com um sorriso sarcástico já esboçado no canto da boca: "Não. Eu não acredito na palavra do Senhor..." Por dentro estou às gargalhadas ao ver os olhos saltitantes do jovem catequizador e espero ansiosamente a pergunta que vem logo em seguida: "Mas... Por quê?" Olhando nos olhos dele, respondo que, para mim, a Bíblia é um livro amaldiçoado pois não trouxe paz para a humanidade, pelo contrário, só desavenças. Respondo que a Palavra de Deus em verdade é a palavra de um padre ou de um pastor que diz estar com A Verdade, mas que na realidade nenhum deles a tem, pois, se assim fosse, não existiriam tantas religiões no mundo que se autoproclamam detentoras dessa suposta verdade. Insisto que A Verdade não existe! É uma mera convenção - como nos diriam os sofistas.

"Mas o senhor já leu a Bíblia?" Respondo que sim, e várias vezes. Li quando fora católico, li quando fora evangélico, espírita, e não encontrei essa verdade da qual me falaram. Na realidade vi apenas religiões almejando mais poder, mais dinheiro, mais riqueza. Embora todos falassem muito em bondade, na prática o que vi fora o contrário: padres perseguidores a um determinado grupo da própria igreja, padres preocupados em aumentar a renda da sua igreja, pastores que espalhavam o terror ou o preconceito às religiões que não aceitassem a Bíblia como livro elementar, pastores mais preocupados em aumentar seus domínios de influência do que necessariamente propagar a dita "Palavra de Deus"...

Em desespero, o jovem retruca: "Mas o senhor há de convir que do jeito que este mundo está , nós todos seremos julgados no dia do Apocalipse!". Eu respondo de imediato: "Oxalá!". Pronto, a pobre coitada que o acompanha dá um passo pra trás crente que estou invocando uma entidade demoníaca! "Se o mundo um dia se acabar como vocês estão dizendo, então, creio, teremos um final feliz! E duvido muito que Satanás vá querer uma porrada de gente lá no inferno e que o céu fique vazio..." Quando termino de dizer isso, os dois agora dão um passo para trás... Agora sim eles pensam que eu sou o próprio Satanás porque me veem sorrindo...

Meio assustados, eis que o jovem mancebo pergunta numa última tentativa ainda desesperadora de compreender aquela situação: "Vejo que o senhor gosta de argumentar, o senhor gosta de ler?" Cruzando os braços e segurando mais o riso, respondo: "Sim, pois sou formado em filosofia." Nesse instante parece que todo o medo se esvaiu, pois ambos me fitaram e a pobre coitada, outrora calada, fala: "Ah, tá explicado..." Deixei de ser o Capeta e virei um maluco, agora. Digo: "gosto muito de ler e foi através da leitura que descobri as verdadeiras verdades por trás das religiões, principalmente as ocidentais... Você já leu algum livro de filosofia?" Com um olhar convencido, infla um pouco o peito e responde: "sim, a Bíblia". Respiro fundo e faço outra pergunta: "você sabe o que é fundamentalismo?", e ele responde ajeitando o chapéu: "sim. São aquelas pessoas que não são cristianizadas". Seguro um sorriso e aguardo eles concluírem o assunto...

"Bom, se o senhor quiser nos conhecer melhor, nós temos cultos aos sábados e aos domingos às sete da manhã e às sete da noite. Vamos deixar um folheto com o senhor no qual o senhor verá o poder da Palavra de Deus"... Agradeço suspirando profundamente e o sarcasmo inicial transforma-se em indignação...

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