Esse ímpeto cego é mais forte. Essa vontade cega, errante, caótica, contraditória, ergue-se constantemente das cinzas a fim de encontrar um nada que não sei para o quê serviria... Fico a espera de alguém, de alguma pessoa que me traga um alento, uma atenção, uma palavra inteligente, maliciosa, sarcástica. Não essa coisinha bonitinha, encaracolada que toma todos os cantos desse novo lugar onde insisto em querer ser feliz. Alguém que me traga saudade, que abra meus pensamentos para o novo, algo que me distraia de maneira contundente, aprazível, com conteúdo. Mas sei que sou um estúpido por esperar isso. Sei que esses momentos já passaram, não voltarão mais (a não ser em minha lembrança vicejante). Sei e reconheço que em verdade espero por mim mesmo. Espero que esse alguém que volte ou que venha do nada seja eu mesmo, travestido pela árdua viagem das aventuras que sempre quis ter e meu bom senso non sense transformou-o em algo incapaz, impotente diante dos músculos poderosos dessa coisa metida a racional que entrou em meu espírito à força pela educação, pela academia... São raros os momentos que me dispo (não por inteiro) para que uma asa há muito pronta para voar tome seu destino e siga por esse mundo afora, repleto de sonhos e imaginações e ideias perfeitas. O desejo insiste, inunda meus poros ávidos. Talvez por culpa da música alienígena que insiste em amolar o ouvido saltitante ou emocionante ao extremo dos meus vizinhos (se brincar, eles nem me ouvem!). Não ligo. Que ouçam! Tomara que ouçam! Que ouçam algo diferente, que sinta que possuem pensamentos que desejam também ser ouvidos, aliás, com a mesma importância que seus instintos mais pueris, mais baixos de fato. De vez em quando me passa pela cabeça a inocente ideia de tentar ser igual a eles: beberrões, crianças grandes com brinquedos caros, com seus instintos aflorando e tomando o controle dos seus, agora, mais fortes corpos; homens-crianças que acreditam piamente que tem razão em todos os seus menores desejos... Mas não consigo ser de tal forma. O mundo é testemunha que tento. O problema é que durante essa tentativa, aquela pela qual sou apaixonado, aquela maldita e bendita Ave de Minerva, não mais me permite o luxo de ser medíocre (talvez esteja sendo um tanto presunçoso), pois logo me vem o olhar criterioso, o distanciamento que qualquer ser pensante possui como fundamental característica, e sinto-me quase que como em um laboratório a examinar cuidadosamente aquele jovem garoto que se diz homem brincando ou tentando ainda ser gente grande; ou ainda aquela mulher que recai sobre suas mãos a grande missão de tomar conta de um templo quase sagrado, mas ao mesmo tempo quase sem crédito e ela desesperadamente tentando levar a sério... Pobres crianças... Será que não entendem que nunca irão crescer verdadeiramente? Preocupam-se em ser adultos com tanta veemência, em ser inteligentes, em ser pessoas experientes, brigam para serem ouvidas, e no fundo choram como qualquer criança mimada tentando chamar a atenção da mãe (que não está mais por perto). Seus desejos devem ser tratados como certos, como verdadeiros, devem ser respeitados, ouvidos, os outros que se virem para tentar falar alguma coisa, pois nessa grande brincadeira, o dono da bola é quem diz como são as regras do jogo. E todos, absolutamente todos, acham-se os donos da bola. Que sejam. Eu é que não tenho mais fôlego, nem capacidade instintiva para brincar de bola...
sábado, 7 de novembro de 2009
Da difícil arte do pensar puro
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Um breve comentário da condição do aposentado na contemporaneidade brasileira
Um indivíduo resolve se aposentar depois de um bom tempo trabalhando. Nos dias de hoje, tal situação é extremamente corriqueira, pois, graças aos avanços conseguidos para o progresso da humanidade trazidos com a industrialização e as reivindicações dos trabalhadores, um indivíduo agora pode descansar em sua velhice depois de um bom tempo vendendo sua força de trabalho para se sustentar. Chega a ser algo parecido como uma premiação poder descansar depois de quase uma vida inteira dedicada ao trabalho... Espere um momento? Eu disse "premiação"? Será que podemos chamar de fato "premiação" uma remuneração que um indivíduo recebe depois de se aposentar? Será que é a mesma coisa que ele recebeu durante o tempo em que trabalhou incluindo todas as vantagens de quando estava na ativa? Será que aquilo que ele recebe como aposentado condiz realmente com o que ele merece ganhar?
Ao observarmos um salário em qualquer função – salvo algumas raras situações tidas como especiais – nota-se uma "simbólica" perda de certos valores assim que o indivíduo dessa função resolve "sair da ativa", sobretudo aqui no Brasil. Dar-se a entender que esse indivíduo não é uma pessoa que deu duro em sua vida para sustentar seus patrões e a si mesmo merecendo uma recompensa pelos seus esforços, mas sim uma "peça", uma "coisa", que pelo motivo de ter-se afastado, finalmente para o merecido descanso, deve ser trocado por estar velho ou "desvalorizado"... Duas coisas que podemos interpretar nessa situação: 1) a condição do homem contemporâneo tratado como "coisa"; e 2) o preconceito a uma camada da população que perde seu "valor econômico" diante da nossa sociedade pós-industrializada, no caso, os mais velhos, os idosos.
Um filósofo alemão do século XIX, desconfiado com as promessas que a industrialização e o progresso trariam ao ser humano, resolve estudar sua época e descobre fatos no mínimo alarmantes. Ele percebe que o ser humano, criador dessa modernização industrial, estava perdendo sua liberdade, sua autonomia, sua capacidade de simplesmente "ser" humano. Karl Marx, o dito filósofo, irá então conceituar o nosso sistema econômico e social como baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção que visa o lucro empregando trabalho assalariado e, o que é pior, transformando o ser humano em "coisa". Eis nossa primeira problemática. Seria este, portanto, o único propósito do capitalismo? Por que sermos transformados em "coisas", ou melhor, em "peças" nessa grande sociedade agora pós-industrializada?
Voltemos ao caso do indivíduo que resolveu se aposentar. A própria palavra "aposentado" já denota o preconceito que se atribui aos idosos em nossa época na chamada sociedade do trabalho, pois seu sinônimo corresponde a "inativo", "reformado", "jubilado". Quer dizer, depois que damos um duro durante boa parte da nossa vida, trabalhando, "estando na ativa", ao ficarmos velhos não podemos mais ter "ação", estaríamos "inativos" já que não dispomos mais daquela atividade de quando trabalhávamos? Será que somente possuímos um valor quando trabalhamos, pois estaríamos na "ativa"? Segundo Marx, em seu conceito de "coisificação do ser humano", essa sociedade em que vivemos preocupa-se demasiadamente em atribuir valores a tudo, inclusive ao próprio ser humano... Como se atribui um valor a um ser humano? Dando-lhe uma profissão, uma atividade pela qual o indivíduo possa "vender" sua força de trabalho e receber algo para sobreviver nessa sociedade do trabalho. Se o indivíduo trabalha, possui um valor; se não trabalha, outro valor ou então nenhum valor. É como uma peça nova e uma velha. O indivíduo que trabalha, portanto a "peça nova", permite um funcionamento melhor da máquina; já o indivíduo que não trabalha, a "peça velha", emperra a máquina e por isso deve ser trocada...
Estar "aposentado" é uma condição, condição esta carregada de preconceito pela nossa sociedade que valoriza quem trabalha, quem tem uma profissão, numa palavra, quem está na "atividade". Tem-se, por exemplo, a ideia de que estar aposentado é o "começo do fim da vida", que este indivíduo não mais poderá demonstrar seu valor e que devemos agora simplesmente deixá-lo quieto com seus remédios e suas reclamações em algum canto sem lhe dar muita atenção. Estar aposentado "coincide" com o momento pelo qual o ser humano já não possui aquela força de outrora, justamente o momento em que ele não mais poderá vender suas energias ao capitalismo e assim demonstrar que possui ainda algum valor. São raros os mais velhos que conseguem ainda manter-se em sua função exercendo-a e ainda assim serem respeitados.
"[...] A indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de fato, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa fórmula exaustiva [...]" ("Dialética do Esclarecimento", Adorno/Horkheimer, p. 137)*.
*ADORNO, Theodor/ HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento - Fragmentos Filosóficos. Trad: Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. - 1985.
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