quinta-feira, 22 de março de 2018

O professor e o carro quebrado

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Um jovem professor, recém formado, empolga-se ao levar seu currículo para as escolas particulares na ânsia de que alguém ligado à administração da escola, pelo menos, lerá suas suadas páginas do parco currículo feito com muito esmero. Sua consciência é tomada por diversas ideias de como trabalhará em sala de aula. Ideias e mais ideias transbordam sua mente. "Farei de tudo para que meu aluno se empolgue com minhas aulas!"; "utilizarei sempre ferramentas que tornem as aulas mais dinâmicas!". Ele consegue o primeiro emprego. Mas não porque alguém leu seus dados nos papéis deixados à sorte nos colégios. Tudo por conta de uma amiga de um amigo que ouviu a coordenadora comentar da necessidade de um professor na escola. O pobre diabo vai às pressas com todos os seus documentos à escola quase enlouquecido de ansiedade e vontade de trabalhar. Explicações dadas pela coordenadora, o coração está a mil assim que avista a primeira sala de aula que ele efetivamente adentrará na condição de professor. Mal consegue esconder a euforia na tremedeira que é visível em suas mãos. Mas ele consegue. Passado a fase dos dias iniciais, e algumas pequenas frustrações - como o controle exacerbado sobre as ditas "ferramentas pedagógicas" que ele pretendia utilizar, vem a tão aguardada compensação, o salário no final do mês. Agora os planos são outros. As ideias de criar aulas dinâmicas e divertidas bateu de frente com a "tradição da escola", isto é, o velho quadro e pincel. Comprar isso, aquilo, ajudar a mãe, ou o pai, ou o irmão, ou aquela parente que passa por necessidade arrebatam agora sua mente. Quando recebe seus dividendos referentes ao primeiro mês de trabalho, o susto: "Só isso!?" Acanhado por ainda ser novato nessa área, o mancebo professor sente na pele o que é ganhar menos que o salário mínimo já que goza de um "privilégio" que os cursos de licenciatura oferecem às pessoas nessas terras tupiniquins e que ainda por cima necessitam - frise-se bem: necessitam! - trabalhar na condição de professor: reconhecimento financeiro no mínimo limitado. Daí pensa numa também necessária solução: procurar outra escola particular para complementar a renda. E de novo o pobre professor refaz um caminho pela segunda vez no qual mal acabara de sair. E assim o consegue mais uma vez, afinal, agora dispõe de experiência, já trabalha em uma escola e esta possui certo respaldo na comunidade. Passado algum tempo, ao conciliar os horários das duas escolas, ele sente ainda a necessidade de estar em uma terceira. "Tenho tempo disponível, por que não uma terceira escola?". E assim o faz e consegue. Seus dias estão todos tomados em exatas dez horas diárias que ele consegue fazer num frenesi inconteste. Consegue pensar: "preciso de um veículo que me transporte", de fato, pois assim ganhará um pouco de tempo, principalmente no horário do almoço. E assim o faz. Compra o carro popular com um financiamento a perder de vista e que, principalmente, caiba no seu pequeno orçamento. Seus finais de semana, em períodos de avaliação, estão perdidos para o trabalho. Sua vida transforma-se em um ano num corre-corre com uma única finalidade: ter dinheiro para pagar as contas e tentar ajudar alguém de sua família. Um imprevisto: por ter comprado um carro popular usado, eis que este o deixa na mão. Quebra justamente num horário crucial em que ele dispõe de apenas alguns poucos minutos para almoçar e assim dar tempo de chegar na terceira escola no dia de quarta-feira. Desesperado liga para sua coordenadora pedagógica que o alerta: "infelizmente, será descontado de seu salário essa sua falta, meu caro. Não posso fazer nada por você". Mas ele não se desespera. Diz que vai pegar um ônibus e que chegará, ao menos, no segundo horário da tarde. E assim o faz. Ninguém, nem menos algum aluno sequer, questiona o porquê de seu atraso, de seu rosto suado, de sua camisa um pouco suja de graxa, de seu corpo clamando pela alimentação que ele não fez no horário apropriado. Ele simplesmente dá sua aula com seu pincel e apagador para, ao final do mês, conseguir pagar suas contas, transformando sua vida profissional em algo que ele jamais imaginara ficando então com um lampejo de esperança de que algum dia seus patrões reconheçam seu sacrifício e o gratifiquem...

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE IDEOLOGIA E LINGUAGEM

https://novaescola.org.br/conteudo/1621/mikhail-bakhtin-o-filosofo-do-dialogo Ao me deparar com uma situação relativamente corriqueira em me...