sábado, 17 de dezembro de 2011

O pensamento semi-analfabeto

O ser humano, sem dúvida, é um dos bichos mais interessantes que existe na face da Terra. É o mais complexo bem como o mais convencido de suas capacidades extraordinárias diante do restante dos animais. Contudo, pelo mesmo fato de ele, o ser humano, ser o mais interessante, jamais afirme que conhece uma pessoa por completo, porque a gente pode se decepcionar facilmente embora isto não seja regra geral, mas que serve como alerta. Talvez culpa dessa coisa chamada razão que é inerente a todos nós e que justamente nos torna os menos confiáveis e os mais interessantes de todos os animais.

Pude constatar tal afirmação ao ouvir sem querer uma conversa entre dois indivíduos sobre trabalho. Os dois indivíduos nunca passaram por um curso de nível superior, mal concluíram o ensino médio e se viram obrigados a ingressar na vida em busca de trabalho, "bicos" na realidade, para complementar suas rendas parcas e tentar sustentar a família. Numa outra ocasião pude, inclusive, perceber até da dificuldade de ambos em redigir um simples texto contendo umas cinco ou seis linhas. Em suma: eram o que hoje denominam de analfabetos informais. Mas o teor da conversa que tiveram vai contradizer todos os preconceitos que muitas vezes observamos em indivíduos dessa espécie. Vou tentar transcrever o teor da conversa deles:

(...)
- Você deveria ter pedido mais!
- Tás doido! Aí é que ele não ía pagar mesmo!
- Negoção... Trabalhei a mesma coisa que você e só ganhei 20 reais...
- E eu 80... Num tá certo não?!
- Sim, mas eu trabalhei a mesma coisa que você. Entrei e saí no mesmo horário que você, pintei a mesma coisa que você e só ganhei isso? Você devia, pelo menos, ter pedido uns 150 e a gente rachava no meio...
- Mas o material é meu! O pincel, o balde, a brocha, a escada, a espátula... Todo o material é meu. É por isso que eu ganho mais que você. A tinta foi dele, aí ele me pediu o desconto, que era 120, e eu baixei pra 100 reais...
- Sim, meu amigo, mas eu trabalhei a mesma coisa que você... Fiquei  embaixo de sol do mesmo jeito que você, suei a mesma coisa que você e você ganha mais só porque tem o material? Se for assim eu também compro meu material...
- Mas sou eu quem arranja os negócios... Você fica em casa de beleza... Eu é que vou em sua casa te chamar pra me ajudar a pintar...
- Sim, mas não mude de assunto não porque você tá errado mesmo.
(...)

Como pudemos notar, parece que aqui existe um prenúncio de consciência em uma mente supostamente pronta para ser lapidada pelos discursos da razão. Ao ouvir essa conversa, fiquei sem acreditar e comecei a me lembrar das aulas de filosofia da faculdade. "Como esses caras conseguiram ter essa noção de exploração sem ter sequer ouvido falar em Marx e sua filosofia?". Parece uma vingança da Ave de Minerva àqueles que tentaram aprisioná-la nos umbrais de alguma universidade renomada. Agora descobri que ela saltita de mente em mente dos seres carentes pelo seu toque, pela sua luz, fossem eles incautos ou não. Talvez ela esteja atrelada àquilo que o brasileiro sabe de cor: a capacidade de sobrevivência.

Na universidade a todo instante somos alimentados com preconceitos sutis de que "quem está aqui é o melhor" ou "vocês foram os escolhidos", de que quem está fora precisa de ajuda, da nossa ajuda, mas muitas vezes saímos de lá tão embebidos por esse tipo de preconceito que sequer notamos que qualquer pessoa pode desenvolver um pensamento racional sem ter que necessariamente passar por uma universidade.

Os cursos de medicina e de direito, pelo menos aqui no meu estado, são os mais famosos por manifestarem essa incrível capacidade preconceituosa em relação não só às pessoas que não fizeram nenhuma faculdade como também aos próprios colegas que possuem cursos distintos. Mas claro que esse preconceito não é uma exclusividade deles, pois, como falei, eles infelizmente é que carregaram esse estigma que parece perpetuar-se até hoje.

O fato é que esses dois ditos semi-analfabetos conseguiram sintetizar muito bem o que muito aluno de faculdade que é obrigado a ler Marx jamais conseguiria em três ou quatro anos de curso! Eles conseguiram realizar aquilo que o próprio Marx já sonhara, que é o de que os trabalhadores - os seres humanos - ganhassem consciência da sua condição nessa sociedade que adora legitimar a relação de explorador e explorado tentando transmitir a ideia de que tal relação é "natural", quando na realidade não passa de uma escabrosa convenção humana. Os cidadãos do exemplo mostraram que a consciência não vem acompanhada de anos a fio de estudos em faculdades ou universidades, mas sim pela própria experiência de vida da pessoa. Não foi preciso ler Marx para saber que alguém estava se travestindo de explorador e o outro de explorado. Bastou apenas sua percepção, sua consciência, para identificar aquilo que somente o ser humano é capaz de possuir e assim identificá-lo como tal. O ser humano, portanto, está intrinsecamente envolvido com aquilo que ele tenta renegar: sua razão.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Religião: lugar de preconceito, de intolerância, de desrespeito...

Por mais que eu tente parece ser inevitável sentir-me indignado com as pequenas manifestações de estupidez, senão de arrogância de fato, diante de certas palavras e atitudes da gentinha de mente apequenada que adora estar por trás do "manto sagrado da religião". Pessoinhas que se julgam mais sábias que os outros, que se julgam superioras, melhores, providas de um senso crítico elevado e de um poder de observação pleno, correto e que não se misturam à água por acreditarem ser o vinho. Enfim, aquelas pessoinhas que se dizem donas da verdade última mas que, no entanto, são extremamente incapazes de descer desse pedestal para assumir um simples errinho de relacionamento com o outro. Acho no mínimo irônico um padre ou um pastor se arvorarem o máximo da alma humana e se julgarem tão superiores ao ponto de sequer dar o ar da graça em eventos "profanos", em eventos que não estejam ligados diretamente às suas respectivas igrejas, e, ainda por cima, acharem-se no direito de caçoar ou de desfazer dos eventos que não fazem parte do calendário de suas igrejas. Eles não precisam disso! Já estão plenos! Cheios de si!

Pois bem, vamos ao episódio que me inspirou: evento sobre problemas ligados às famílias nos dias de hoje e uma árdua labuta de uma companheira preocupada em divulgar ao máximo de pessoas possíveis, principalmente as pessoas que possuem certo destaque na sociedade, entre elas, um renomado e problemático padre bem como um pastor dessas igrejinhas de subúrbio ávido por congregar mais fiéis às suas fileiras (pelo menos antes do fato ocorrido).

Convites distribuídos e finalmente chega o dia do evento. Como de costume em qualquer evento desse porte, por mais que se encaminhe centenas de convites, nem todo mundo pode comparecer. Minha nobre colega de faina, então, ao se encontrar com aqueles aos quais lhes foram entregues os convites pessoalmente, na mais inocente intensão, acha de perguntar aos respectivos convidados o porquê de não terem comparecido, e, também como de costume, a maioria justifica sua ausência e se desculpa demonstrando assim uma preocupação em manter o relacionamento e o respeito para com o outro. Entretanto, não foi o que aconteceu aos grandes representantes religiosos.

Eis que os senhores da verdade, plenos de si, além de não terem comparecido, ainda por cima demonstram um enorme desdém e tentam até desprestigiar o referido evento por não se tratar - imagino - de temas ligados à religião... Espere... E desde quando a religião não envolve seus tentáculos em temas tão comuns do nosso cotidiano, importantes à nossa sociedade, como o tema da família? Principalmente hoje em dia que existem padres que até comentam sobre o uso de preservativo?! Como assim o tema não estar relacionado com religião? Confesso que, diante da minha pequenez intelectual, seria extremamente infrutífera minha tentativa de compreender...

O pastor ainda conseguiu proferir palavras sinalizando sua enorme sapiência no assunto: "já viu vinho misturar-se à água?", alegando, este senhor da verdade, que os temas seriam tão díspares quanto. E o grande padre de sapiência tamanha comparada apenas ao infinito? "Desses assuntos já estou calejado de ouvir e sei que não se resolve nada, pois não passa de blá-blá-blá!", de certa forma, não seria o que realmente acontece dentro das igrejas também já que não vemos nada efetivamente prático ou eficaz realizado pelos sermões muitas vezes eivados de politicagem deste também senhor da sapiência? Pior de tudo é imaginar que esses indivíduos se autoproclamam "religiosos"... Estou com medo.

Meu medo surge a partir do momento que percebo nestes senhores que eles não reconhecem ou não admitem que deveriam dar o exemplo já que, infelizmente, tratam-se de pessoas de destaque na comunidade. Se ouvisse de um político profissional talvez não me assustasse tanto, mas de um padre ou de um pastor, representantes de Deus aqui na Terra?! Se no dia-a-dia esses senhores possuem essa postura para com os pequenos, para com os eventos mundanos, profanos, que será que eles andam dizendo em suas igrejas? Pior que, também infelizmente, tem gente que leva isso a sério e passa a propagar esse tipo de comportamento soberbo que logo-logo descamba para intolerância, para o desrespeito ou para o preconceito porque coisa ruim se espalha fácil, já coisa boa...

Pois é, meus amigos e amigas deste blog-desabafo, convivendo neste mundinho, pareço nunca me acostumar aos comentários infelizes dessas mentes brilhantes que povoam esta cidadela. Quanto mais convivo, mais percebo que sou diferente, estranho, apequenado, sobretudo por assumir publicamente que não pertenço e muito menos frequento as muitas religiões que por aqui se espalham que nem uma praga. Minha afirmação para encerrar este monólogo é esta: se religião fosse realmente o lugar da verdade última, não existiriam tantas pelo mundo afora. Vamos em paz e que o senhor nos acompanhe...

sábado, 12 de novembro de 2011

Um desabafo contra a pequenez humana

Excepcionalmente re-publicarei um post de um companheiro blogueiro indignado com o comportamento daqueles que não reconhecem o valor de um árduo trabalho de engrandecimento espiritual e cultural realizado aqui nas paragens dorenses, daqueles que acreditam que os dorenses não possuem talento e que, portanto, não poderiam se destacar em nenhuma manifestação cultural, enfim, daqueles de mente reduzida! Caro companheiro Manoel, eis minha pequena contribuição e solidariedade à sua causa nobre. Concluo minha apresentação citando Nietzche e espero que as palavras dele nos sirvam de conforto ou provocação àqueles de mente apequenada: "(...) A maioria dos homens são fatigados, comuns e acomodados - a grande massa, os ordinários, os supérfluos e os que estão demais. Todos esses são covardes (...)".

DESABAFO

Estou muito triste, sim, muito triste mesmo! Pois nessa Sexta-feira, dia 4 de novembro de 2011 a viatura da Polícia Militar de Nossa Sra. das Dores parou defronte a sede do Projeto Memórias que fica situada nas dependências do Bazar da Arte. O fato é que os membros do referido Projeto tem nos últimos anos trabalhado voluntariamente em prol do desenvolvimento intelectual da nossa população, e em especial dos nossos jovens, o que por sua vez os protegem de situações de risco, pois bem, acontece que um grupo de adolescentes que são atendidos de forma gratuita por essa instituição foram impedidos de ensaiar algumas músicas que seriam apresentadas no dia seguinte em um dos colégios da nossa cidade.

Sem saírem da viatura, os policiais chamaram os meninos e disseram que eles tinham que parar o barulho ou do contrário iam levar os instrumentos para a delegacia, o que eles alegaram: “os vizinhos” ligaram reclamando, detalhe, os policiais não revelaram quem fez a reclamação, foi o que me contaram os jovens, pois eu estava no momento da abordagem em uma sala editando um vídeo e não vi o ocorrido. Daí pergunto, o mais adequado não seria os, ou “o vizinho”, entrar em contato com os representantes da Instituição e quem sabe estabelecer um acordo de convivência antes de ameaça-los enviando a polícia? Será que esses vizinhos, ou o vizinho que reclamou não é um daqueles cujas ações refletem a personalidade de um individuo prepotente, orgulhoso e sem maiores preocupações com o próximo e ao meio ambiente?

O que efetivamente encontraram os policiais ao chegarem no local? Um grupo de jovens usando drogas, bebidas alcoólicas, fazendo sexo ilícito e planejando assaltar as casas dos vizinhos e as suas também? Encontraram esses policias, armas ou instrumentos musicais nas mãos desses adolescentes? Daí eu pergunto a vocês policiais e amigos protetores da nossa sociedade, e pergunto também aos, ou porque não dizer, ao meu caro vizinho reclamante, qual é o barulho que perturba mais, as baquetas feita de uma nobre madeira tocando a pele de uma bateria ou o som de um tiro de fuzil adentrando numa janela e atingindo um inocente? Tiro esse que pode muito bem ser acionado por um jovem cujas oportunidades e habilidades tenham sido castradas por atitudes irrefletidas, por um posicionamento meramente egoísta e insano.

Será que os vizinhos, ou o vizinho, é daqueles que já se acostumou com o barulho irritante das sirenes das ambulâncias levando para os hospitais vítimas de atos violentos praticados por certos jovens? Será que não são “esses” uma construção nossa? O que grita mais alto, um acorde de uma guitarra bem tocada ou o soar desafinado da sirene de uma viatura policial perseguindo jovens bandidos e perigosos? Diante do que o mundo apresenta aos nossos jovens, é ou não é relevante o apoio a iniciativas como essa, apresentando possíveis soluções para os eventuais problemas que nos acomete? Poderiam os policiais ter ido embora sem procurar no ato da abordagem os responsáveis pelo estabelecimento e pela referida instituição a fim de expor a situação dialogando com a outra parte envolvida?

Bem, o fato é que estamos “errados mesmo”, somos efetivamente culpados por não termos dinheiro para construir uma sala acústica para os nossos alunos, e nem mesmo sede própria, somos culpados por eles saírem tristes com os seus instrumentos nas mãos lamentando o ocorrido, somos culpados por nossa cidade não ter um local adequado para os nossos jovens exprimir os seus talentos artísticos, sim, talvez sejamos culpados por muitos deles se tornarem bandidos perigosos, daqueles que matam pais de famílias inocentes para roubar, daqueles que matam sem piedade aqueles que são pagos para nos proteger, vocês policiais.

Sim, talvez mereçamos mesmo ir presos por “perturbarmos” a ordem pública, e de lá da delegacia sermos encaminhados aos magistrados, processados, e condenados pelo crime de formação de bons cidadãos.
Bem, são exatamente três horas da manhã, estou com a cabeça doendo muito, a gastrite a mil, o estômago dói demais, e do meu olho está descendo uma água ardida que alguns chamam de lágrima, e essas caem nos mais variados formatos, lamento, revolta, tristeza, angustia, muito pesar...

Manoel M. Moura (http://blogdoprojetomemorias.blogspot.com/)

domingo, 23 de outubro de 2011

O que é ser dorense?

Mercado municipal de Nossa Senhora das Dores em 2007. Foto: acervo pessoal

Perguntado recentemente a respeito de um trabalho colegial por alunos que realizavam uma pesquisa sobre os "artistas" dorenses em função das comemorações alusivas à emancipação política de Nossa Senhora das Dores, fui tomado por uma reflexão sobre o que é ser dorense. A jovem aluna perguntara-me se eu sabia o que era ser dorense e, de bate-pronto, responde-lhe que ser dorense era ser um cidadão consciente das coisas, dos assuntos, enfim , um cidadão consciente e conhecedor dos acontecimentos que ocorrem nesta cidade além de ser participante deles.

Logo em seguida à minha breve resposta continuei refletindo sobre o que havia falado acreditando que minha resposta estaria incompleta ou ainda muito vaga. Imaginei que, no caso dorense, o aspecto mais relevante além de marcante facilmente visível na história e cultura daqui é notadamente o de influência católica, sobretudo nas duas principais festas do ano - a da padroeira, que ocorre no mês de setembro, e o da semana santa, no mês de abril -, mas ainda existem as outras festas, as chamadas "profanas", como a festa do boi e a micarense - a primeira que acontece em novembro e a segunda no mês de abril ou maio. Mesmo identificando essas festividades ainda assim não me contentei em afirmar que isso nos serve como possível "identidade cultural", ou ainda como um ethos dorense.

Igreja matriz de Nossa Senhora das Dores em 2007. Foto: Acervo pessoal.

Acredito que essa identidade não estaria apenas ligada ao aspecto religioso já que ele inclui apenas a religião católica e segrega as demais manifestações religiosas - como as igrejas protestantes e algumas pequenas manifestações de religiões afrodescendentes localizadas e marginalizadas bem como alguns grupos espíritas - e não-religiosas organizadas pelo poder público ou privado como as "festas profanas" já que estas dependem muitas vezes de algum investimento financeiro por parte de alguém ou de algum grupo financeiro. Óbvio que as manifestações religiosas de influência católica exercem um grande poder cultural na cidade - como o próprio nome da cidade já denota -, mas acredito que tais manifestações não poderiam ser únicas ou exclusivamente responsáveis por criar essa complexa identidade dorense.

Não pretendo aqui me estender a uma discussão profunda e absoluta sobre essa suposta "identidade dorense", ao contrário, pretendo sim encontrar uma resposta que, pelo menos, satisfaça essa ideia inquietante de que exista essa "identidade dorense". Uma ideia que sirva, por exemplo, como aos baianos de que, quando falo em acarajé, em abará, em axé e outros correlatos culturais, remeta-me imediatamente ao estado da Bahia ou a Salvador.

Claro que tal esforço incorre no possível equívoco de acreditar e reduzir que em toda Bahia apenas existam tais coisas sem levar em consideração as cidades do interior ou mesmo os bairros periféricos da capital onde o foco cultural é muito mais forte e evidente senão peculiar. Contudo, acredito que criar ou identificar uma ideia que possa reduzir - e isso é uma tarefa hercúlea ou até mesmo perigosa - a identidade de um povo ou de um lugar é um trabalho necessário para que seu prórprio povo também se identifique e assuma estar envolvido ou ligado umbilicalmente com a história da comunidade e, consequentemente, consigo mesmo.

Procissão da festa católica da padroeira de Nossa Senhora das Dores, setembro de 2010. Foto: acervo pessoal.


Falar em identidade de um lugar pressupõe também uma identidade do indivíduo, um conhecimento produtivo ou positivo do próprio indivíduo em relação a si mesmo e com o local onde ele está inserido. Por isso a necessidade de eventos tradicionais nas cidades para assim confirmar a marca da comunidade na história, e aqui concordo que as festas de cunho religioso que acontecem aqui em Dores, como os penitentes no período da semana santa, serve-nos para construir nossa identidade - ressaltando que essa manifestação religiosa dos penitentes não fora originada pela igreja católica aqui presente, mas sim por uma espontânea manifestação popular, segundo comentários de colegas professores, e que, em alguns momentos, alguns padres até foram contrários.

Imagino que as muitas histórias bem como os muitos personagens notórios e marcantes de um lugar também servem como identidade de um lugar. Personagens como "Zé das Cobras", ex-delegado da cidade e já falecido, que, dizem, andava com uma cobra sobre o pescoço talvez com o intuito de assustar os marginais; ou ainda histórias como a de um notório cidadão dessas paragens que diz ter colocado um urubu cozido para os amigos comerem alegando ser uma galinha; ou comidas peculiares de sabores únicos como a Traíra preparada por "Jarinho" e seus familiares...Todas essas "coisas" constituíriam nossa identidade, nosso modo de ser, nosso ethos, e elas são únicas, somente acontecem aqui fazendo parte da nossa memória coletiva.

Não sou um antropólogo, um sociólogo ou um especialista qualquer para afirmar cientificamente que o ethos dorense é exatamente isso, não obstante, para mim, essas "pequenas" histórias e seus "pequenos" personagens conseguem constituir o que poderíamos denominar de uma identidade. E não poderia deixar de comentar também das comidas, dos trejeitos das pessoas, do sotaque ou até do jeito de pensar típicos daqui. Aquele que é conhecedor dessas coisas, que as guarda com carinho, que as registra, é também um historiador e sobretudo um cidadão consciente do papel de sua identidade para com o seu lugar visto que as histórias de um lugar e as demais "coisas" características servem como memória, seja ela individual ou coletiva. E em cada lugar essas histórias nunca são ou serão as mesmas, muito pelo contrário. Por isso afirmei que ser um cidadão dorense é ser conhecedor dessas histórias e desses personagens, é ser mantenedor e difundidor delas, porque só quem é dorense de coração é quem as conhece.

sábado, 24 de setembro de 2011

E o tempo passou

Tenho que admitir algumas verdades que são tão evidentes quanto a morte que nos aguarda. Verdades estas que nos levam a concluir de forma tão peremptória algo que achávamos já superado: sou um indivíduo solitário. Sobretudo depois que acreditei ser melhor morar em outra cidade que, embora pequena e limitada se comparada à capital sergipense, é aconchegante. Claro que sempre suspeitei de minha tendência para a solidão, no entanto, a existência de pessoas que compartilhavam desse meu ponto de vista a respeito da solidão - meus amigos - ajudavam-me a compreender e a lidar com ela de um modo frutífero.

Sou forçado a admitir, por exemplo, que não sou mais aquele cara de vinte e poucos anos preocupado em ter um emprego “decente”, como dizia constantemente, ao lado de pessoas que sentia prazer ao estarem próximos de mim e compartilharem dos mesmos problemas. Tenho que admitir que os amigos de outrora não mais gozam dos mesmos desejos, dos mesmos sonhos, dos mesmos problemas...

Talvez a beleza da vida esteja nesse reconhecimento muitas vezes tardio de que a vida é esse eterno movimento, essa mudança constante. É essa a condição do ser humano na história. Ontem me via um jovem cheio de expectativas vendendo insegurança, hoje me sinto vazio de expectativas e possuo uma segurança que desconfio se ela me satisfaz de fato. Lembro-me que até os amores eram diferentes, puros, cegos... Hoje até me questiono se o amor existe mesmo ou se é um artifício da natureza para unir esse ser - o humano - que se acha superior aos animais no intuito de manter a espécie.

Estou apenas comparando os momentos com certo ar de amadurecimento ou distanciamento para enxergar melhor o que foi ou o que eles representaram na minha vida. Claro que cada momento possui sua especificidade, sua maneira única de ser, de mostrar-se... Mas que dá uma certa saudade isso sim eu não posso me dar ao luxo de negar.

Também me questiono se tal percepção é um mero reflexo de minha cultura ocidental que tendencia meus pensamentos, meus sentimentos, meu jeito de ser, minha personalidade, enfim, minha vida. Dizer que sou livre dessas interferências talvez seja uma pretensão vã, ilusória. Até que ponto poderia realmente afirmar com todas as letras que sou incólume às influências de uma moda, de uma tendência, de uma ideologia ou ainda de uma saudade?

Hoje meus companheiros são outros sim - se é que posso chamá-los de companheiros de verdade como os de outrora não possuo essa certeza -, mas algo reconheço e admito: esses ditos companheiros de hoje não são mais aqueles de toda hora, de todo momento, dos mesmos desejos, quereres e sonhos. Sentar à frente da casa de minha mãe e definir o que iríamos fazer era uma praxe sagrada. Às vezes faltava um ou outro, mas aí tratávamos de buscá-lo onde quer que estivesse para completar os aventureiros da noite ou a denominação que a gente achava até então adequada, “Os Kerouac’s”, numa óbvia alusão ao On The Road desse autor conhecido dos anos setenta. Detalhe: apenas um de nós de fato lera o tal romance e nos contara os momentos que achávamos ter tudo a ver com nossos espíritos, com nossos "princípios". Nosso objetivo era claro: diversão para o espírito. Conhecer nossa cidade através de duas rodas (bicicletas, não motos) era uma consequência dessa busca; conversar sobre tudo e todos também; viver era a regra geral.

Hoje nosso nome de grupo não soa com tanta força como antigamente, e chega a ser até meio engraçado tentar resgatar aqueles momentos que jamais se repetirão. Pergunto-me até se seria desespero de nossa parte ousar tal façanha, ou melhor, se teríamos realmente esse direito de fazê-lo.

Agora, queridos companheiros, é tentar enxergar à nossa frente – como fazíamos naquela época – e buscar novas “aventuras”, novos desejos, reconhecendo que nosso passado foi algo maravilhoso além de proveitoso e que nos serve como alicerce para aquilo que nos tornamos hoje..


Meu irmão Mário (cod-nome Pi, "membro honorário"), Jhonny (irmão de Tony e mascote) e eu, nos idos anos 90.
Tony, eu, Marcos Aurélio (popular Wacko) e Sidney (popular Magal), a formação original dos Kerouac's.
Tony, Marcos e André, outro "membro honorário".

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Por que adquirir um produto "pirata"?

Embora alguns intelectuais e teóricos de hoje negarem ou até condenarem as críticas ao capitalismo inauguradas principalmente pelo velho Marx quando da sua obra máxima O Capital, alegando uma defasagem no mínimo suspeita, acredito que existam certos aspectos que seriam praticamente inevitáveis não relacioná-los à filosofia marxista, sobretudo sua crítica, ao que, no dizer atualizado dos frankfurtianos, podemos denominar de um “capitalismo tardio”.

Não posso deixar de assumir que os ideais de comunismo proposto por Marx de fato não conseguiram germinar de uma forma tão plena ou então saudável nos moldes do seu pensamento, aliás, como muitos teóricos até concordariam, no entanto, reconhecendo essa “derrota prática” do comunismo marxista, ao menos sua crítica parece de fato ter bastante fundamento e ainda hoje nos servir como alicerce para identificarmos e originarmos uma compreensão mais coerente acerca do problema em questão.

É certo que, para Marx, numa interpretação completamente despretensiosa, na qualidade de filosofante, o próprio capitalismo traria dentro de si elementos que posteriormente o derrocaria. É o princípio dialético inaugurado pelo mestre de Marx, o filósofo também alemão, Hegel, segundo o qual a contradição seria a mola mestra, a engrenagem maior e responsável por mover toda a máquina chamada “modo de produção capitalista”.

Essa contradição estaria, por exemplo, sendo retratada nas relações de trabalho em que o patrão depende do empregado, o explorador do explorado e vice-versa, criando uma relação fundamental entre os opostos, oposição esta típica do capitalismo.

Numa visão mais ampla, ainda seguindo o viés marxista, o próprio capitalismo, à medida que dá sinais de avanço, de progresso, no bojo desse mesmo movimento estaria seu inverso, o atraso, o retrocesso. No capitalismo, existe essa ilusão de que o progresso é necessário, que é importante, ficando subjacente os elementos que irão consumir esse mesmo progresso, esse mesmo avanço. É como se dentro do próprio capitalismo já germinasse um novo modo de produção que o suprimiria. É o que percebemos hoje, por exemplo, no conflito existente entre os grandes donos de empresas contra o comércio dito “pirata”, principalmente nos produtos que estão relacionados à área de informática e que dependem, portanto, da utilização de algum computador.

Acredito que as facilidades ocasionadas pelo advento do computador foram até certo momento esperadas pelos grandes fabricantes desse instrumento com bastante entusiasmo, não obstante, talvez eles não tenham previsto aquilo que o velho Marx já nos mostrara que é justamente essa forma dialética de funcionamento que o capitalismo traz consigo. Do mesmo jeito que ele, o capitalismo, oferece as mil e uma facilidades para sua manutenção, simultaneamente também traz consigo os elementos que poderão enfraquecê-lo e assim suprimi-lo (no sentido da aufheben hegeliana).

Enquanto ouvimos campanhas e mais campanhas para não adquirirmos produtos piratas, produtos esses que seriam frutos do “crime organizado”, de acordo com a descrição dada pelas grandes empresas que estariam inseridas no mercado denominado por eles de “legalizado”, mesmo assim, são eles, os ditos ilegais, que vendem de maneira significativa além de possuírem uma acessibilidade imensa para uma boa parte população e em qualquer lugar do país!

Imaginem que em uma feira municipal, que acontece semanalmente em qualquer cidadezinha do interior de Sergipe, existem bancas que comercializam desde CD’s de músicas, de jogos para vídeo-game, DVD’s de filmes, arquivos em MP3, JPEG, AVI e até, pasmem, programas para computador “hackeados” ou “copiados ilegalmente”. Isto sem comentar na variedade que é imensa e bem maior que as lojas ditas especializadas e que vendem esses produtos em alguns lugares da capital.

Agora pergunto: será que alguém que more no interior de Sergipe iria ser levado a adquirir um “produto original” viajando para a capital, trocando sua própria cidade, sua feira e perder a comodidade de comprá-lo ao lado de sua casa? Acho meio improvável senão impossível. Não possuo a certeza no assunto, mas da mesma forma que uma fábrica que diz empregar dezenas ou centenas de trabalhadores “legalizados”, as fábricas “ilegais” de produtos “piratas” deve contratar do mesmo jeito, óbvio que na clandestinidade e com menos privilégios trabalhistas, mas, ainda assim, estaria empregando do mesmo jeito que as outras fábricas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O problema da educação em Sergipe III

Sei que já comentei e postei aqui no meu blog algo a respeito do problema da nossa educação, digo, da educação pública em Sergipe. Mas o fato de ser recorrente implica que esse problema cada vez mais vem ficando evidente nas minhas observações de filosofante. 


Nossos dirigentes, os políticos, parecem não se importar realmente com nossa educação quando insistem nessa coisa de que uma indicação política, de um padrinho político forte, seja algo que resolva os problemas de gerenciamento de uma escola. Não posso deixar de me furtar para o fato de que às vezes, talvez muito raramente, eles acertem ao indicar para a direção de uma escola um indivíduo competente, envolvido com a comunidade escolar e realmente preocupado com os objetivos da educação. No entanto, não é o que se percebe no cotidiano da educação pública do meu estado.

Acredito que um indivíduo despreocupado com os objetivos da educação acarreta mais problemas para uma geração de alunos numa escola do que um prejuízo econômico localizado nas contas de um governo. Quando um indivíduo acredita que sua escola deve estar mais voltada para eventos festivos do que para um aumento ou uma atividade voltada para a melhoria da qualidade do ensino, aí sim se nota a incongruência de sua postura com o objetivo maior da educação.

É certo que nossa educação não vai muito bem. O ideb, o Saeb e os demais índices educacionais cada vez mais evidenciam nossas dificuldades diante das exigências do mundo contemporâneo. Dificuldades estas retratadas nos péssimos índices de qualidade que nós apresentamos e que, ainda por cima, o dirigente incompetente indicado politicamente insiste que festas resolverão esse problema - resolverão o problema de matrícula que consequentemente trarão mais recursos para a escola devido à propaganda das festas com o nome da escola que, queiramos ou não, nossos incautos estudantes acreditão ser uma "boa escola" quando se tem essas festividades.

Isto sem comentar os planos mirabolantes criados por uma única cabeça que se diz pensante para resolver como num passe de mágica algo que está amalgamado na estrutura óssea da educação pública do nosso estado a séculos. 

Acredito que uma reforma na nossa educação deva ser algo de fato profundo, que deixe de cabeça pra baixo, que envolva cortes precisos, concisos, mas que deem resultado; uma reforma que envolva os dirigentes desde os mais alto escalão até o mais baixo; uma reforma que, sobretudo, não permita a interferência de políticos em suas indicações interesseiras ou politiqueiras.

Às vezes me sinto um completo estrangeiro. Não consigo ver o "lado educativo" em festas dentro de escolas com bandas de forró, de pagode ou o que quer que seja - se ao menos as bandas fossem dos próprios alunos, não diria nada. Não consigo observar uma preocupação com a educação quando escolas estão mais voltadas para cumprir um calendário de festas alegando que "faz parte do nosso calendário ou da nossa tradição". Por que não criar algo mais educativo, com atividades lúdicas, algo que realmente acrescente conhecimento na mente já desgastada dos nossos alunos? Basta de frivolidades que lhes acompanham no dia a dia, na tevê, na internet.


Meu receio é que futuramente estejamos sentindo os males causados pela ingerência administrativa e política dos nossos dirigentes de hoje já que os resultados da educação são lentos para se desenvolver e só podemos colhê-los amanhã.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Suicídio: capacidade racional?

O que leva o ser humano ao suicídio? O que leva uma pessoa a tirar sua própria vida? Seria o suicídio algo de fato abominável como apregoa algumas religiões cristãs? Seria algo louvável, digno de méritos, como ocorre em determinadas culturas exóticas para nós? 

Pelo menos temos uma certeza – e que ainda pode ser contestada: o ser humano é o único animal da natureza que possui essa “capacidade” de tirar sua própria vida. 

Talvez por causa dessa capacidade racional que lhe permite discernir a realidade à sua volta, da sua vida, enfim, a consciência da sua existência diante da terra, do universo ou do mundo. 

Talvez pelo fato de que nós somos “especiais”, mais “importantes”, mais “complexos” que os animais e por isso podemos realizar algo que eles jamais realizariam: o suicídio. 

Talvez o suicídio seja uma evidência do medo, da angústia ou ainda da profunda infelicidade que nós carregamos dentro de nós mesmos e que fazemos de tudo para não nos depararmos com ela, mas quando isso acontece não possuímos a destreza de lidar com ela, com esse "lado negro", "obscuro", escondido nos recônditos da alma, sempre à espreita, à espera da melhor oportunidade para vir à tona e nos dominar por inteiro. 

Nossa alma é frágil, não dispõe de uma armadura completamente impenetrável. Para penetrá-la, não obstante, não é necessário muito esforço, “basta apenas” que se saiba compreender o ser humano em sua humanidade ou uma palavra bem dita ou “mal-dita”. Não adianta uma armadura bem resistente. A palavra certa penetra na carne, nos vasos sanguíneos, nos órgãos, no cérebro e atinge seu objetivo: a alma – tudo isso, mais uma vez, graças ao intermédio da nossa incrível “capacidade” que nos torna distinto dos animais, a nossa razão. 

O indivíduo põe em sua armadura uma aparência alegre, forte, triste, satisfeita, sorridente, enfim, põe uma aparência que muito dificilmente representará sua alma, sua essência, seu interior ou seu lado escondido. Por dentro um turbilhão de dúvidas, de medos, de angústias o toma, e esse mesmo turbilhão está afoito para tirar essa tampa da alma e saltar de forma desmesurada. Por isso o indivíduo ser obrigado a ser forte, resistente ou ainda astuto para controlar, dominar essa energia ávida por liberdade, porém extremamente destrutiva, sobretudo para ele mesmo. 

São raras as pessoas que dispõem das condições necessárias para controlar tal poder. E quando este mesmo poder emana, ai daquele que o reteve. Por isso nos assustamos ao vermos ou ouvirmos casos de pessoas que tiveram um “surto” e cometeram alguma atrocidade, alguma loucura com outras pessoas ou, talvez pior ainda, consigo mesmo, no caso do suicídio. 

O suicídio talvez seja o ápice do descontrole dessa energia destrutiva, poderosa, guardada a sete chaves no âmago d’alma. Seria preciso canalizá-la, direcioná-la aos poucos para algo que pudesse escoá-la e assim não deixá-la plena transformando-a em algo construtivo. O princípio é o mesmo que vemos nos vulcões, que, na qualidade de leigo, funcionam como válvulas de escape de uma energia extremamente poderosa que fica retida no âmago da terra. Sabiamente ou cautelosamente a terra a expele de vez em quando reconhecendo que se a desprezar poderá lhe ser fatal, podendo levá-la ao suicídio.

Por isso a necessidade do ser humano de saber encontrar um meio que faça escoar essa energia. Por isso a necessidade das artes, daquilo que lida com a alma. O ser humano não é só máquina, carne, corpo, trabalho, é também espírito, energia, lúdico. Uma alma atormentada é uma alma que não consegue canalizar essa energia e escoá-la a contento.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Da difícil arte de ser professor

Por mais que tente ficar à margem das misérias que envolvem o mundo dos nossos políticos, não posso deixar de me furtar de alguns acontecimentos que, na minha expectativa de filosofante, são inevitáveis para um comentário sintético.

Recentemente meu estado sofreu uma greve de professores que durou pouco mais de vinte dias. O objetivo maior da greve dizia respeito à implantação do piso nacional que sofreu um aumento desde o início deste ano e que o nosso governador foi postergando sorrateiramente durante alguns meses crente de que os professores deveriam entender a situação delicada financeiramente que, de acordo com ele, o estado está passando.

Não pude comparecer efetivamente às ações e discussões pertinentes ao sindicato em função de minha atual condição na escola onde trabalho, mas fazia questão de, pelo menos, ficar a par do que estava acontecendo, seja através da mídia ou através de colegas que lá estiveram e presenciaram os muitos acontecimentos que se sucederam nesses poucos mais de vinte dias de greve. Dentre os muitos fatos, ocorreu um que me chamou atenção: o discurso ou a justificativa do nosso então governador diante das impossibilidades da aplicação do piso nacional aos professores da rede estadual. Embora o estado tenha cumprido o acordo do piso no ano passado de forma exemplar, este ano fora deveras distinto em função da desaceleração da nossa economia, segundo ele. Em contrapartida, em vários momentos seus colegas e aliados de seu próprio partido comentavam que o estado poderia ativar um mecanismo legal de auxílio à aplicação do piso aos professores, sem comentar o discurso da oposição que sempre afirmava que o estado dispunha sim de recursos necessários para a aplicação do piso aos professores. Todavia, indiferente a isso, nosso então governador decide impor sua proposta e impossibilita o que ele dizia primar tanto, o diálogo.

Passados esses dias de greve, enquanto estive na escola cumprindo com minhas obrigações, pude refletir a respeito da condição da educação que estamos vivendo neste estado. Falo da educação em seu nível institucional, de uma educação que carece dos professores, dos funcionários da escola e, obviamente, dos alunos. Se os professores públicos são forçados constantemente a lutar para adquirir seus direitos, sua “valorização”, o que acontece aos da rede privada? Se o professor da rede pública possui o “luxo” de poder lutar para adquirir seus direitos ou, na palavra da categoria, sua “valorização” – que é uma luta mais do que justa –, o que acontece então com os demais professores que são literalmente obrigados a trabalhar nas piores condições psicológicas ou não de trabalho, diga-se de passagem, por exemplo, com o fantasma de ser demitido porque deu nota vermelha na classe se sujeitando a ganhar um salário mínimo – ou até menos – e a dar aulas em outras escolas para conseguir completar sua renda para sobreviver?

Claro que não estou desmerecendo a luta dos professores da rede estadual, mas o que chamo a atenção é para, mais uma vez, notarmos o descaso que os nossos governantes possuem em relação a algo que o tempo todo eles afirmam ser tão importante que é a educação. As greves que ocorrem e que muito provavelmente vão continuar acontecendo diante desse quadro atual são reflexos de problemas estruturais muito maiores. Quando falamos em qualidade de trabalho, por exemplo, falamos em trabalhadores satisfeitos com a sua condição e, para estarem satisfeitos, o essencial envolve sobretudo sua remuneração já que vivemos numa sociedade que prima tanto por isso – e isto sem comentar a valorização do profissional que reflete também no seu status, no seu reconhecimento diante dos outros e de si mesmo. As greves, no meu entender de filosofante, independente das razões, é um sintoma de que algo de ruim está acontecendo àqueles trabalhadores. Algo que estaria abalando seu reconhecimento social – ou pessoal – e assim o torna infeliz e o faz buscar esse algo que lhe falta. Se formos observar as muitas condições que muitos professores são obrigados a trabalhar, acredito que entenderíamos quaisquer de suas razões quando decidem por uma paralisação ou uma greve. E isso não é uma exclusividade dos professores, mas sim de qualquer trabalhador de uma sociedade no capitalismo tardio. Será que algum dia veremos, por exemplo, greve dos nossos parlamentares? Acho muito difícil! Por quê? Porque eles gozam de regalias e de direitos que, apesar de contestarmos, eles acham completamente legítimo visto que “um país democrático não vive sem os representantes do povo”, ora, e de professores? De policiais? De faxineiros? De comerciários?... E não estou sequer entrando no mérito dos volumosos salários e gratificações que um parlamentar recebe quando diz estar trabalhando em benefício daqueles que o elegeram!

Como vemos, por mais que surjam campanhas e mais campanhas que reforcem a ideia da importância do professor para a formação de uma sociedade mais igualitária e etc., a realidade se mostra bem diferente. Não é à-toa os índices estatísticos alertarem para um fenômeno peculiar da nossa época: cada vez mais estão se formando menos professores. E mesmo aqueles que tentam de forma romântica ingressar ou permanecer na carreira do magistério, a todo instante são bombardeados com obstáculos que os levam a se questionar da escolha que fizeram: “Será que hoje em dia vale a pena de fato tornar-se um professor”?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O casamento de um príncipe com uma plebeia

Recentemente o mundo foi “abalado” por um grande momento que aconteceu no reino da Grã Bretanha. O casamento do príncipe com uma plebeia... De repente, em todos os canais de grande visibilidade do Brasil, só havia esse grandioso casamento – que agora não me recordo, mas que não faço tanta questão assim de lembrar-me. Não conseguia assistir à programação normal em função desse assunto que, segundo alguns especialistas do tema, “mudaria o mundo”. Se a roupa da agora princesa estaria assim ou assado; se o príncipe faria isso ou aquilo; enfim, subitamente prorromperam milhares de especialistas e comentaristas do casamento real que fiquei assustado ao saber que tem gente que se especializa nisso... Comentários e mais comentários de famosos, de autoridades, de graduandas e graduadas e até doutores se debruçando sobre esse tema tão pertinente à nossa vida... Eu disse “pertinente”? Ora! Quão impertinente foi esse assunto que até hoje, quase três dias depois, ainda se ouve em notas na imprensa o Day after do mais novo casal real!

É como se tal assunto da vida particular deles tivesse um respaldo quase que imediato em nossas vidas – quer dizer, na Inglaterra desconfio, já que a rainha não possui tantos poderes assim, mas, e o resto do mundo? Sobretudo um país em desenvolvimento que tenho muitas dúvidas se os ingleses estariam se lixando se nós estamos ou não preocupados com seus símbolos reais...

Algo que me parece muitos terem esquecido: esse casamento não vai mudar as nossas vidas! Não passa de um casamento entre duas pessoas, imagino, que trocaram confidências, como qualquer um de nós fez ou faz. Ah! Mas alguém poderá bradar: “- mas eles são da família real e eu não”! Sim!? E daí? O fato é que, talvez o pior de tudo para quem seja professor sejam as perguntas sobre tal problema. Na escola onde leciono, uma aluna chegou para mim e perguntou-me: “- professor, porque aqui no Brasil não temos casamentos de reis e rainhas?” Tomei um susto! Mas depois percebi que a culpa não é desta pobre coitada por não saber que no seu país vigora um sistema de governo que não é o da Coroa e que vê na tevê um assunto de outro país sendo empurrado goela abaixo aos incautos telespectadores que simplesmente acham lindo acompanhar um casamento de uma plebeia e um príncipe como se fosse num conto de fadas “real”...

É verdade! A tevê vende contos, fábulas, historinhas da carochinha, porque tudo isso atrai a atenção da maioria dos nossos telespectadores incautos desse país varonil tão preocupado com uma educação de qualidade. Por isso o Ibope da rede Globo ser tão fantástico! É a emissora que mais vende e empurra essas coisas nas nossas cabeças que a gente nem sente de tão alargado que está o orifício de entrada da nossa mente. É novela que muda a rotina das pessoas, que altera o comportamento delas, que mais vende produtos e, claro, que goza do horário mais caro da tevê brasileira e que as outras emissoras são de alguma forma obrigadas a seguir.

Pior que os contos de fadas não se restringem apenas às novelas, temos que tomar todo cuidado possível, pois as historinhas são tantas durante toda a programação, a fantasia que é transmitida toma a maioria do horário dessa emissora, que até os telejornais, que deveriam ter um caráter verídico, de preocupação com a verdade, correm o risco de sofrer algum tipo de influência dessas fantasias que impregnam o restante do horário. É aquela velha história de se questionar a autenticidade da notícia dada por um bobo da corte, que por sua vez estaria mais preocupado em entreter ou divertir seus assistentes.

O problema possui proporções tão olímpicas que sequer confabulo quem é o culpado por completo de esta situação estar do que jeito que está... Será que são dos nossos políticos que ao longo dos anos foram deixando o “barco correr” dessa megalópole empresarial chamada Globo? Das pessoas que assistem de modo quase hipnotizante e que, ainda por cima, criam seus horários a partir da programação dessa tevê? Ou da própria rede Globo que fez questão de incutir pequenos mecanismos ou mensagens subliminares em sua programação obrigando ou seduzindo o simples telespectador a viciar-se nessa coisa pós-moderna tão “maravilhosa”? Será que meus filhos assistirão algum dia a derrocada da rede Globo? Será que eu um dia gozarei quando as máscaras dessa empresa de fábulas caírem? Vamos todos sonhar, que nem num saudável conto de fadas...

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Da estultificação das massas

Às vezes me critico bastante por ser aquele tipo de gente que está predisposto a observar apenas o que tem de ruim em alguma coisa. Principalmente aquelas palavras que alguém, talvez por pura idiotice ou puro desleixo mesmo, solta diante de um número significativo de pessoas que porventura possa exercer algum tipo de influência. Esse tipo de coisa geralmente se dá com gente famosa, aliás, eles deveriam fazer alguma espécie de preparação ao se tornarem famosos, pessoas, quer queiramos ou não, que servem de referência para outras, para não falarem algo completamente sem nexo ou preconceituoso ou ainda despropositado. Hoje mesmo tive a felicidade de ouvir durante alguns cinco minutos valiosos da minha breve vida uma entrevista com o senhor Carlinhos Brown que comentava a respeito das críticas que o axé-music sofre e ainda vem sofrendo. Inicialmente estava compadecido pelo depoimento dele, senti-me na obrigação de levantar a bandeira em defesa da música baiana para as massas já que sou também um fervoroso protetor da nossa cultura nordestina – embora algumas pessoas não achem que a Bahia não faça parte do nordeste –, sobretudo daquele imenso celeiro cultural que foi a primeira capital do país. Concordei com o senhor Brown até certo ponto, passei a discordar a partir do momento que ele afirmou com todas as letras que “quando as pessoas vão para uma festa de rua não esperam pensar...”. Claro! Pior que o senhor Brown está correto, não obstante, talvez o grande problema esteja justamente quando a pessoa se torna dependente desse tipo de festa de rua e não suporta essa coisa tão desgastante que é pensar. Pior ainda é quando vemos que não apenas as festas de rua possuem esse caráter de estultificação como muitas outras instâncias da vida em sociedade que lidam com o quotidiano, a começar pela grande mídia que carrega essa “cruz” de mastigar e regurgitar alguma coisa para a grande massa. Trata-se de um trabalho inglório. Todavia, não encontro a necessidade de se fazer a todo o momento tal sacrifício em nome de uma compreensão repleta de lacunas – se é que existe alguma compreensão de fato – ou ainda de legar a segundo plano algum conteúdo efetivamente válido para o espírito humano. Concordo que o ser humano deve possuir seu tempo para o “nada”, mas constantemente atrelado a algo que esteja recheado de frivolidades, passatempo ou entretenimento, confesso que se trata de algo no mínimo desrespeitoso.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A Grande Sacanagem da Natureza

Já se perguntaram a respeito do amor? Esse sentimento, diriam alguns, arrebatador, que consome o corpo e a alma da gente? Esse sentimento que carece de uma definição precisa, mas que todo mundo diz compreender, sobretudo quando se encontra enlaçado por ele? Já se perguntaram no fundo do seu âmago a razão da existência dele? Ultimamente venho tentando e confesso que as conclusões não são nada daquelas que estamos acostumados a ouvir do senso comum, da boca do povo. Ele não tem nada de bonzinho ou bonitinho, pelo contrário, é algo perverso, cruel, que tende a diminuir o ser humano diante dos outros, sobretudo diante do objeto amado. É a perda da dignidade, da razão. Vocês podem estar se perguntando: mas que tipo de amor é esse de que falo? Na qualidade de filosofante, claro que poderia generalizar e afirmar que se trata de um conceito geral atribuído realmente a tudo aquilo que entendemos como amor, mas reconheço as limitações de abarcar o todo e prefiro apenas me referir ao amor entre os sexos opostos – ou não. Refiro-me àquele amor afetivo, àquele amor que faz o amante se entregar ao objeto amado irrestritamente, cegamente; àquele amor no qual a pessoa lembra seu objeto amado a cada instante; enfim, refiro-me àquele amor que muitos dizem confundir com a paixão. Se, posteriormente, o leitor quiser aplicar essas minhas elucubrações de uma forma geral devo avisá-lo que será por sua conta e risco, mas o que quero aqui falar é sobre essa coisa chamada amor que descrevi anteriormente e que o senso comum muito bem o conceitua, às vezes, de loucura.

Qualquer um que já amou ou sentiu essa atração tão poderosa ou dolorosa pode se identificar muito bem com essas minhas palavras e talvez até concordar comigo: mas o amor não passa na realidade de uma grande sacanagem da natureza para nós, seres humanos ditos “superiores” e racionais, perdermos o controle que imaginamos ser da nossa razão. Analisem comigo essa linha de raciocínio: a pessoa nasce e, segundo a psicanálise, aquela pessoa em que o recém-nascido manifesta seus primeiros contatos afetivos – a mãe – será o depósito de sua primeira relação amorosa. Até aí tudo bem, pois a mãe retribui durante um bom tempo esse sentimento dito puro – salvo alguns “desvios de padrão” que o saber freudiano explica tão bem que chega até assustar. Na pré-adolescência, ainda segundo uma livre interpretação freudiana, o pequeno ser humano sente outra atração, agora de uma forma bem diferenciada – ou às vezes não –, por outros seres humanos do mesmo sexo; é a fase do “clube do Bolinha” onde “menina não entra” ou do “clube da Luluzinha” onde “menino não entra”; a fase em que o menino ou a menina ainda está em processo de formação e conhecimento de sua identidade sexual. Talvez nessa fase ele ou ela já se depare com as primeiras desilusões amorosas, claro que não se trata aqui de uma desilusão na complexidade de um namoro ou de um casamento, mas sim quando ele ou ela descobre que sua “amizade” (amor) pelo seu amiguinho ou amiguinha não teve o devido retorno que ele ou ela estava acostumado quando do da mãe.

É aquele momento no qual ele ou ela descobre que o amiguinho ou a amiguinha não lhe é “fiel” para todo o sempre. Ele ou ela sente ciúmes ao ver seu amiguinho ou amiguinha brincando com outro ou outra, dando mais atenção a outro ou outra e por aí vai. Quando essas crianças alcançam a adolescência, as coisas complicam um pouco mais. Os hormônios fervilham de um modo que o menino ou a menina atravessam por mudanças drásticas. Será neste momento que a natureza vai iniciar os primeiros testes efetivos da “grande sacanagem” que havia dito anteriormente. Se o garoto ou a garota forem de acordo com os padrões de beleza convencionais, o relacionamento e consequentemente o sexo nessa fase não poderão ser um grande problema, mas, caso estejam fora dos padrões de beleza, poderão surgir várias complicações nessa fase e que, o que é pior, poderão refletir para o resto de suas vidas.

A natureza aumenta os seios e as nádegas da menina, afina sua cintura e alarga o quadril, torna-a mais atraente para o sexo oposto, ela não nutre mais interesse em brincar de boneca e aquele determinado garoto lhe tira do sério, pois ele a faz pensar coisas que ela jamais pensara; ela quer estar com ele, abraçá-lo, beijá-lo, ter relações... É a natureza dizendo a esta menina que ela precisa de um macho para acasalar, mas como somos tidos como “seres superiores” ou dotados de uma capacidade racional estupenda, preferimos chamar isso de “amor”, ou melhor, talvez, de “paixão”. Mas ainda que nos entreguemos a esta coisa, subsiste algo – a razão – tentando explicar o contrário, tentando nos dizer que podemos ter o controle – pura ilusão! – sobre a situação de estar apaixonado. Mas o desejo, o querer estar com o outro é muito mais forte. Talvez seja este fato de chamarmos a atração sexual de paixão ou de amor que nos torna diferentes dos animais porque nós não copulamos como os animais ou nós não devemos fornicar como os animais já que somos “superiores”, dotados de razão.

A natureza também causa transformações no garoto. Aumenta-lhe o tamanho dos membros, dos músculos, engrossa-lhe a voz, faz-lhe crescer pelos por todos os lados do seu corpo... É a natureza sacaneando o outro sexo. Mostrando pra gente que não somos superiores coisa nenhuma; mostrando pra gente que esse negócio de achar que a razão é superiora é pura balela. Então ela, a natureza, essa coisa extremamente poderosa além de fantástica, impõe a esta criatura que se diz “superiora” mais uma evidência de que por mais que a pessoa tente negar, ela o reafirma. O desejo também é forte no homem. Deixa o menino enlouquecido obrigando-o a buscar as válvulas de escape culturais permitidas ao rapazinho: idas e mais idas às casas que vendem sexo (se for de uma família suficientemente abastada), descontar sua frustração ou conquista em uma garota (dependendo da beleza física apresentada por ele) ou simplesmente recorrer à antiga forma de autoajuda sexual e solitária.

Sem dúvida isto tem relação com a Vontade, conceito criado pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer, no qual nos fala dessa potência inconsciente presente naquilo que emana vida e que está espalhada por toda natureza em todos os seres vivos – inclusive nós, por mais que tentem nos diferenciar. Então esse negócio de amor, de paixão, não passa na realidade da vontade natural presente em todos os seres de procriar ou de copular que tentamos desesperadamente disfarçar com adornos desnecessários além de ilusórios. É a natureza que, mesmo sabendo que o ser humano acredita ser “superior” a ela, mostra-lhe inconscientemente sua incapacidade diante dessa coisa tão poderosa chamada instinto. Posso fazer mil cursos superiores, ter títulos e mais títulos, mas diante de situações que minha razão não espera, por exemplo, serão meus instintos que entrarão em ação e tomarão o controle do meu corpo e, talvez o que seja pior, vou imaginar que estou no controle criando discursos e mais discursos para me convencer que eu, este ser racional, está no controle.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A Bíblia é um livro científico?

Todos que acompanham este blog sabem de minha dileção pela crítica religiosa sobretudo direcionada à religião cristã. Muitas vezes ouço ou recebo mensagens de pessoas que procuram me taxar como “ateu”, “herege” ou até “endemoninhado” graças às minhas palavras nada agradáveis quando comento sobre o cristianismo – e aqui, mais uma vez, refiro-me a todas às religiões que veem na figura de Jesus Cristo seu principal representante. Por isso, aqui na cidade onde resido, recuso-me a participar de todos os eventos que de uma maneira ou de outra percebo o envolvimento de alguma igreja, sobretudo a católica, na qual ultimamente venho tendo conhecimento de algumas arbitrariedades de um padre sem espírito humanitário e mais voltado para os descaminhos de negociatas e que diz ter vindo pregar a palavra do Senhor por essas paragens – talvez numa outra ocasião voltarei a detalhar mais profundamente sobre esse dito “enviado de Deus”.



Não sei se minha crítica é fruto de uma vaidade intelectual, de um respeito aos meus princípios agora antirreligiosos ou porque não gosto ou não me sinto à vontade dentro de uma igreja, e olhe que um dia pretendi tornar-me um padre numa fase não muito distante de minha breve vida, mas, graças à Ave de Minerva, fui curado. Na minha adolescência, talvez por influência dos pais ou parentes, achava a vida monástica tão sedutora, tão sublime, que não conseguia ver meio mais eficaz para me tornar um indivíduo realizado. De novo, fui curado graças a algumas poucas leituras sobre a história da Igreja, porém extremamente contundentes em suas argumentações e em suas apresentações de evidências históricas que a Igreja conscientemente faz questão de esconder aos seus fiéis mais convictos, e posteriormente à própria Filosofia que contribuiu para a efetivação dessa cura.

Minha desilusão, como não poderia deixar de ser, foi colossal, mas ela me incentivou de algum modo a buscar mais as argumentações a respeito dessa coisa chamada religião que eu acreditava cegamente entender. Talvez, na realidade, eu já carregava comigo de forma incipiente uma certa descrença religiosa, mas sempre procurava deixá-la de lado, escondê-la, ou por medo ou por precaução. Mais tarde, já na metade do curso de filosofia, é que procurei de fato mergulhar nesse tema da crítica religiosa através de dois filósofos emblemáticos na crítica à religião: Feuerbach e Nietzsche.

Não pretendo discorrer detalhadamente a respeito de minha biografia, mas sim ilustrar o quão foi longa e árdua minha conscientização a respeito dos malefícios e ilusões causados pela religião às pessoas. Certamente alguém poderá bradar que minha angústia em relação à religião é fruto desse meu “desamor” ou desilusão que tive com ela, por ter sido enganado por ela justamente num momento em que acreditava cegamente estar no caminho correto para encontrá-la, afinal, pretendi cursar filosofia para ampliar meus conhecimentos num curso de seminarista seguinte. Hoje percebo o quão inocente e tolo fui e mais uma vez agradeço aos autores e filósofos que me abriram os olhos sobre essa coisa chamada religião que eu acreditava conhecer – também não quero afirmar aqui que a conheça por inteira, não obstante, a quantidade de argumentos lógicos seguidos de evidências me forçam a compreender de uma melhor forma aquilo que não enxergava outrora.

Por isso me sinto enojado além de revoltado quando me deparo com alguém, com pessoas ligadas ao meu círculo de amizade – não que eu tenha escolhido – que dizem “ser absurdo como alguém pode deixar de acreditar na evidência da criação do mundo por Deus”; ou ainda, “como alguém pode acreditar naquela teoria imbecil de que o homem deriva do macaco”. Isto sem comentar que essa mesma pessoa diz ter encontrado todas “as evidências” num livro obscuro, de, não duplo, mas vários sentidos para não dizer completamente contraditório chamado Bíblia. Será que Darwin estaria brincando só para sacanear com as pessoas? A ciência recentemente, mais uma vez, levou a “crença darwiniana” à lugar de verdade científica quando, depois da descoberta da genética, afirmou ter agora sim evidências da semelhança entre um chimpanzé e um ser humano – pelo menos fisicamente. E esse tipo de pessoa acha que é um crime comparar alguém, um ser humano, esse “ser especial”, a um animal, esquecendo-se ela que nós só nos diferenciamos dos animais pela razão – se bem que nem essa argumentação de que a razão é inerente a todo ser humano eu esteja ainda completamente convencido.

Detalhe agora para o que mais me dá medo nesse tipo de pessoa: ela é uma educadora profissional. Essa pessoa em especial que me fez produzir este desabafo é uma professora graduada, que imagina-se ter lido textos de cunho científico, mas que ainda assim acredita ser “mais fácil” entender a “certeza absoluta” da Bíblia do que A Crítica da Razão Pura de Kant. Pior ainda é vivenciar esta criatura que se diz humana dotada de razão subornar, isso mesmo, subornar um parente mais novo (para não deixar vocês chocados e dizer ser uma criança) oferecendo-lhe dinheiro para ir à missa no domingo, embora todos que estivessem presentes achassem algo extremamente natural ou até engraçado!!! É, pessoal, não sei se fico envergonhado, se entristeço de uma vez por todas, se me suicido ou se faço vistas grossas, porque argumentar com esse tipo de pessoa é quase tão pior quanto tentar convencer o inquisidor de Giordano Bruno, pois “Deus está do seu lado”.

O objetivo da vida é ser feliz?

  Decerto a experiência humana nos impõe uma ideia de que tanto o prazer como um estado de felicidade associados de algum modo devem ser tom...