sábado, 8 de dezembro de 2012

PODE UM ATEU ESTAR REUNIDO COM OUTROS?

Certa ocasião, conversando com um amigo sobre filosofia e coisas afins, deparamo-nos com um questionamento a respeito do que vem a ser necessariamente o ateísmo, sobretudo nos dias de hoje, com um significativo retorno da religiosidade e de religiões inclusive distintas das religiões cristãs de outros momentos históricos.

Conversávamos a respeito de uma reunião que aconteceria em Aracaju dos ateus do nosso estado - e que, confesso, achei deveras esquisito essa "congregação de ateus" - iniciado nas redes sociais via Internet. Quando estava na qualidade de membro virtual desse grupo social de ateus, achei interessante pelo menos saber das opiniões que convergiam dentro dele assim como achei ser interessante também saber se as opiniões que circulavam eram as mesmas ou semelhantes às minhas e, sobretudo e obviamente, meu objetivo maior era o de compartilhar um pouco da angústia de viver em um país notadamente influenciado pela religião, sobretudo a católica, sendo um crítico ferrenho dela.

Como afirmei antes, gostei de participar do grupo até o momento em que um dos coordenadores do grupo passou a insistir para que todos os membros virtuais se encontrassem no "mundo real", numa "reunião" de ateus e agnósticos... Pronto. Isso me soou muito estranho, para não dizer preocupante... Reunir ateus e agnósticos? Geralmente um ateu ou um agnóstico possui uma autonomia intelectual e, historicamente, sabemos das dificuldades de se reunir pessoas autônomas, independentes intelectualmente, em um só lugar - que o diga o exemplo literário presente em O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Explicitei ao meu amigo então uma busca para uma melhor compreensão do que vem a ser necessariamente ateu - ou agnóstico, que ainda é uma espécie de ateu em gestação, embora o agnóstico tente negar enfaticamente. O ateu é uma pessoa que não aceita ser manobrada, justamente pelo fato de que possui uma autonomia intelectual, como havia falado anteriormente, e que rejeita qualquer tentativa de congregá-lo, já que congregação lembra religião - talvez a palavra "congregação" tenha sido usada inocentemente pelos coordenadores do evento. Falar em congregação para um ateu o faz lembrar automaticamente em igreja, e isso talvez seja o maior sinal de sua discórdia, de sua desavença com a religião.

O ateu não crê em deus algum, sobretudo nos deuses institucionalizados, que no caso recaem sobre as maiores religiões cristãs, o catolicismo e o protestantismo. No que me recordo das aulas de filosofia da religião e de história, os ateus, em muitos casos, geralmente não eram pessoas que assumiam publicamente justamente por medo da repercussão de sua decisão antirreligiosa em um momento histórico vigorosamente influenciado pela Igreja durante a Idade Média na Europa. Houve sim momentos raros e esparsos na história ocidental, principalmente logo após a derrocada da influência religiosa do catolicismo em que o ateísmo virou moda, mas, justamente por ser moda, as pessoas se declaravam ateias por puro capricho ou por receio de sofrer alguma represália social no grupo de amigos que frequentava - ainda hoje vemos certos comentários jocosos quando alguém afirma ser ateu, entre conhecidos ou amigos, e estes o taxam de "à-toa", não ateu. Não obstante, ser ateu foi e ainda é uma decisão, uma escolha individual, extremamente particular de não acreditar em religião alguma ou em entidade superiora ou sobrenatural - isso apenas na história do ocidente, sobretudo na Europa, que nos serve como base referencial de nossa história.

Falar em ateísmo hoje em dia, sobretudo em público ou até na grande mídia, ainda é um tabu. Muitos famosos, sejam eles atores, produtores, diretores, enfim, personalidades conhecidas nacionalmente, são ateus e receiam bastante em falar sobre suas convicções em qualquer programa de televisão - ao contrário dos que dizem ter sua fé. Óbvio que alguns raros já o fizeram - como o caso do Dr. Drauzio Varella em um programa da TV Câmara ou o arquiteto Oscar Niemeyer que em um programa da TV Cultura assumiu sua postura ateia e comunista -, mas é notório que muitos preferem silenciar suas escolhas justamente por evitar a repercussão de suas afirmações em um país cristão. Contudo, não possuo nenhum conhecimento a respeito de que eles, pelo fato de serem públicos, façam parte de grupos de ateus ou agnósticos, ao contrário, simplesmente possuem suas posturas silenciosamente apenas mostrando-as em canais suficientemente exclusivos.

Não que esteja pretendendo convencer as pessoas de que esses famosos devam ser tomados como referência para aqueles que sofram uma imaturidade intelectual. Pretendo sim mostrar que aos ateus não cabem congregações ou coisas parecidas. Acredito muito mais em uma escola ateia - como acontece em alguns lugares do mundo, sobretudo as encabeçadas por Richard Dawkins - que ponha em sua ideologia uma preocupação respeitosa para com as demais religiões apenas como agrupamentos de pessoas. Para finalizar, gostaria de provocar os deístas ou fiéis religiosos - e por que não os não-religiosos também? - com uma esplendorosa afirmação do pai da psicanálise em sua obra O Mal-estar na Cultura a respeito dessa principal característica ateia, a autonomia intelectual:

"[...] Quanto às necessidades religiosas, parece-me imperioso derivá-las do desamparo infantil e do anseio de presença paterna que ele desperta, tanto mais que esse sentimento não se prolonga simplesmente a partir da vida infantil, mas é conservado de modo duradouro pelo medo das forças superiores do destino [...]".


SOBRE A RELAÇÃO ENTRE IDEOLOGIA E LINGUAGEM

https://novaescola.org.br/conteudo/1621/mikhail-bakhtin-o-filosofo-do-dialogo Ao me deparar com uma situação relativamente corriqueira em me...