Mercado municipal de Nossa Senhora das Dores em 2007. Foto: acervo pessoal |
Perguntado recentemente a respeito de um trabalho colegial por alunos que realizavam uma pesquisa sobre os "artistas" dorenses em função das comemorações alusivas à emancipação política de Nossa Senhora das Dores, fui tomado por uma reflexão sobre o que é ser dorense. A jovem aluna perguntara-me se eu sabia o que era ser dorense e, de bate-pronto, responde-lhe que ser dorense era ser um cidadão consciente das coisas, dos assuntos, enfim , um cidadão consciente e conhecedor dos acontecimentos que ocorrem nesta cidade além de ser participante deles.
Logo em seguida à minha breve resposta continuei refletindo sobre o que havia falado acreditando que minha resposta estaria incompleta ou ainda muito vaga. Imaginei que, no caso dorense, o aspecto mais relevante além de marcante facilmente visível na história e cultura daqui é notadamente o de influência católica, sobretudo nas duas principais festas do ano - a da padroeira, que ocorre no mês de setembro, e o da semana santa, no mês de abril -, mas ainda existem as outras festas, as chamadas "profanas", como a festa do boi e a micarense - a primeira que acontece em novembro e a segunda no mês de abril ou maio. Mesmo identificando essas festividades ainda assim não me contentei em afirmar que isso nos serve como possível "identidade cultural", ou ainda como um ethos dorense.
Acredito que essa identidade não estaria apenas ligada ao aspecto religioso já que ele inclui apenas a religião católica e segrega as demais manifestações religiosas - como as igrejas protestantes e algumas pequenas manifestações de religiões afrodescendentes localizadas e marginalizadas bem como alguns grupos espíritas - e não-religiosas organizadas pelo poder público ou privado como as "festas profanas" já que estas dependem muitas vezes de algum investimento financeiro por parte de alguém ou de algum grupo financeiro. Óbvio que as manifestações religiosas de influência católica exercem um grande poder cultural na cidade - como o próprio nome da cidade já denota -, mas acredito que tais manifestações não poderiam ser únicas ou exclusivamente responsáveis por criar essa complexa identidade dorense.
Não pretendo aqui me estender a uma discussão profunda e absoluta sobre essa suposta "identidade dorense", ao contrário, pretendo sim encontrar uma resposta que, pelo menos, satisfaça essa ideia inquietante de que exista essa "identidade dorense". Uma ideia que sirva, por exemplo, como aos baianos de que, quando falo em acarajé, em abará, em axé e outros correlatos culturais, remeta-me imediatamente ao estado da Bahia ou a Salvador.
Claro que tal esforço incorre no possível equívoco de acreditar e reduzir que em toda Bahia apenas existam tais coisas sem levar em consideração as cidades do interior ou mesmo os bairros periféricos da capital onde o foco cultural é muito mais forte e evidente senão peculiar. Contudo, acredito que criar ou identificar uma ideia que possa reduzir - e isso é uma tarefa hercúlea ou até mesmo perigosa - a identidade de um povo ou de um lugar é um trabalho necessário para que seu prórprio povo também se identifique e assuma estar envolvido ou ligado umbilicalmente com a história da comunidade e, consequentemente, consigo mesmo.
Falar em identidade de um lugar pressupõe também uma identidade do indivíduo, um conhecimento produtivo ou positivo do próprio indivíduo em relação a si mesmo e com o local onde ele está inserido. Por isso a necessidade de eventos tradicionais nas cidades para assim confirmar a marca da comunidade na história, e aqui concordo que as festas de cunho religioso que acontecem aqui em Dores, como os penitentes no período da semana santa, serve-nos para construir nossa identidade - ressaltando que essa manifestação religiosa dos penitentes não fora originada pela igreja católica aqui presente, mas sim por uma espontânea manifestação popular, segundo comentários de colegas professores, e que, em alguns momentos, alguns padres até foram contrários.
Imagino que as muitas histórias bem como os muitos personagens notórios e marcantes de um lugar também servem como identidade de um lugar. Personagens como "Zé das Cobras", ex-delegado da cidade e já falecido, que, dizem, andava com uma cobra sobre o pescoço talvez com o intuito de assustar os marginais; ou ainda histórias como a de um notório cidadão dessas paragens que diz ter colocado um urubu cozido para os amigos comerem alegando ser uma galinha; ou comidas peculiares de sabores únicos como a Traíra preparada por "Jarinho" e seus familiares...Todas essas "coisas" constituíriam nossa identidade, nosso modo de ser, nosso ethos, e elas são únicas, somente acontecem aqui fazendo parte da nossa memória coletiva.
Não sou um antropólogo, um sociólogo ou um especialista qualquer para afirmar cientificamente que o ethos dorense é exatamente isso, não obstante, para mim, essas "pequenas" histórias e seus "pequenos" personagens conseguem constituir o que poderíamos denominar de uma identidade. E não poderia deixar de comentar também das comidas, dos trejeitos das pessoas, do sotaque ou até do jeito de pensar típicos daqui. Aquele que é conhecedor dessas coisas, que as guarda com carinho, que as registra, é também um historiador e sobretudo um cidadão consciente do papel de sua identidade para com o seu lugar visto que as histórias de um lugar e as demais "coisas" características servem como memória, seja ela individual ou coletiva. E em cada lugar essas histórias nunca são ou serão as mesmas, muito pelo contrário. Por isso afirmei que ser um cidadão dorense é ser conhecedor dessas histórias e desses personagens, é ser mantenedor e difundidor delas, porque só quem é dorense de coração é quem as conhece.
Logo em seguida à minha breve resposta continuei refletindo sobre o que havia falado acreditando que minha resposta estaria incompleta ou ainda muito vaga. Imaginei que, no caso dorense, o aspecto mais relevante além de marcante facilmente visível na história e cultura daqui é notadamente o de influência católica, sobretudo nas duas principais festas do ano - a da padroeira, que ocorre no mês de setembro, e o da semana santa, no mês de abril -, mas ainda existem as outras festas, as chamadas "profanas", como a festa do boi e a micarense - a primeira que acontece em novembro e a segunda no mês de abril ou maio. Mesmo identificando essas festividades ainda assim não me contentei em afirmar que isso nos serve como possível "identidade cultural", ou ainda como um ethos dorense.
Igreja matriz de Nossa Senhora das Dores em 2007. Foto: Acervo pessoal. |
Acredito que essa identidade não estaria apenas ligada ao aspecto religioso já que ele inclui apenas a religião católica e segrega as demais manifestações religiosas - como as igrejas protestantes e algumas pequenas manifestações de religiões afrodescendentes localizadas e marginalizadas bem como alguns grupos espíritas - e não-religiosas organizadas pelo poder público ou privado como as "festas profanas" já que estas dependem muitas vezes de algum investimento financeiro por parte de alguém ou de algum grupo financeiro. Óbvio que as manifestações religiosas de influência católica exercem um grande poder cultural na cidade - como o próprio nome da cidade já denota -, mas acredito que tais manifestações não poderiam ser únicas ou exclusivamente responsáveis por criar essa complexa identidade dorense.
Não pretendo aqui me estender a uma discussão profunda e absoluta sobre essa suposta "identidade dorense", ao contrário, pretendo sim encontrar uma resposta que, pelo menos, satisfaça essa ideia inquietante de que exista essa "identidade dorense". Uma ideia que sirva, por exemplo, como aos baianos de que, quando falo em acarajé, em abará, em axé e outros correlatos culturais, remeta-me imediatamente ao estado da Bahia ou a Salvador.
Claro que tal esforço incorre no possível equívoco de acreditar e reduzir que em toda Bahia apenas existam tais coisas sem levar em consideração as cidades do interior ou mesmo os bairros periféricos da capital onde o foco cultural é muito mais forte e evidente senão peculiar. Contudo, acredito que criar ou identificar uma ideia que possa reduzir - e isso é uma tarefa hercúlea ou até mesmo perigosa - a identidade de um povo ou de um lugar é um trabalho necessário para que seu prórprio povo também se identifique e assuma estar envolvido ou ligado umbilicalmente com a história da comunidade e, consequentemente, consigo mesmo.
Procissão da festa católica da padroeira de Nossa Senhora das Dores, setembro de 2010. Foto: acervo pessoal. |
Falar em identidade de um lugar pressupõe também uma identidade do indivíduo, um conhecimento produtivo ou positivo do próprio indivíduo em relação a si mesmo e com o local onde ele está inserido. Por isso a necessidade de eventos tradicionais nas cidades para assim confirmar a marca da comunidade na história, e aqui concordo que as festas de cunho religioso que acontecem aqui em Dores, como os penitentes no período da semana santa, serve-nos para construir nossa identidade - ressaltando que essa manifestação religiosa dos penitentes não fora originada pela igreja católica aqui presente, mas sim por uma espontânea manifestação popular, segundo comentários de colegas professores, e que, em alguns momentos, alguns padres até foram contrários.
Imagino que as muitas histórias bem como os muitos personagens notórios e marcantes de um lugar também servem como identidade de um lugar. Personagens como "Zé das Cobras", ex-delegado da cidade e já falecido, que, dizem, andava com uma cobra sobre o pescoço talvez com o intuito de assustar os marginais; ou ainda histórias como a de um notório cidadão dessas paragens que diz ter colocado um urubu cozido para os amigos comerem alegando ser uma galinha; ou comidas peculiares de sabores únicos como a Traíra preparada por "Jarinho" e seus familiares...Todas essas "coisas" constituíriam nossa identidade, nosso modo de ser, nosso ethos, e elas são únicas, somente acontecem aqui fazendo parte da nossa memória coletiva.
Não sou um antropólogo, um sociólogo ou um especialista qualquer para afirmar cientificamente que o ethos dorense é exatamente isso, não obstante, para mim, essas "pequenas" histórias e seus "pequenos" personagens conseguem constituir o que poderíamos denominar de uma identidade. E não poderia deixar de comentar também das comidas, dos trejeitos das pessoas, do sotaque ou até do jeito de pensar típicos daqui. Aquele que é conhecedor dessas coisas, que as guarda com carinho, que as registra, é também um historiador e sobretudo um cidadão consciente do papel de sua identidade para com o seu lugar visto que as histórias de um lugar e as demais "coisas" características servem como memória, seja ela individual ou coletiva. E em cada lugar essas histórias nunca são ou serão as mesmas, muito pelo contrário. Por isso afirmei que ser um cidadão dorense é ser conhecedor dessas histórias e desses personagens, é ser mantenedor e difundidor delas, porque só quem é dorense de coração é quem as conhece.