Talvez soe como escapismo ou pura alienação, mas estou cansado de ler, ver e ouvir os "comentários políticos" que de algum modo afetam minha consciência e os meus sentidos no momento. É só isso que vemos, ouvimos e discutimos agora. Alguns sabem lidar com o respeito da diversidade, já outros, chamados também de
haters, essas palavras da moda criadas pela internet, mas que traduzem muito bem essa nova qualidade de pessoas, só sabem esbravejar suas verdades e preconceitos como donas absolutas dessas supostas verdades...
Diante disso, dessa realidade em que ninguém parece estar com a verdade ou o seu oposto, prefiro acatar a sugestão de um amigo e colega de profissão em "suspender o juízo" e me acalentar nas asas da ave de Minerva buscando distanciar-me o mais possível para tentar enxergar com a clareza que nos falta em dias assim. Os sofistas que nos digam, em especial Protágoras de Abdera, vivido no século IV a.C., quando nos falara que "o homem é a medida de todas as coisas", e que nos auxiliará nesse
post.
Obviamente que não vamos aqui destrinchar detalhada ou ainda filosoficamente as reflexões específicas a que este filósofo propõe. Vamos sim tentar partir uma reflexão a partir dessa sua frase icônica e tentar compreender o quão de "verdade" ela se evidencia na realidade humana, em especial a nossa atual aqui no Brasil.
Lembremos o papel elementar da filosofia, o de refletir, de "olhar diferente" para nossa realidade, de não aceitar as verdades ditas como tal e tentar mostrar a diversidade de perspectivas, diga-se de passagem, o
modus operandi do filósofo. Digo isso posto que ainda encontramos alguns indivíduos que insistem em reforçar a ideia - no mínimo preconceituosa, se bem que sou suspeito para afirmar isso - de que a filosofia é um saber inútil ou que não contribui para absolutamente nada em nossas vidas práticas. Prefiro assumir que ela continue assim!
Tais indivíduos que denomino possuir uma "visão de cabresto" - influência de minha cultura nordestina, assumo - acreditam piamente em suas verdades e não conseguem compreender que essas suas verdades são construções, são invenções ideológicas ou discursivas que lhes auxiliam na compreensão de suas realidades. Sendo assim, suas realidades também não passariam de construções humanas o que, em muitos casos, são postas por um grupo dominante.
|
Immanuel Kant. Fonte: filosofiamevideo.com.br |
A autonomia da razão tão apregoada pelo consagrado Kant, filósofo alemão vivido no final do século XVIII e início do século seguinte, pressupõe que o indivíduo pense por conta própria - o
sapere aude! - e de algum modo consiga desvencilhar-se dessas amarras ideológicas ou discursivas impostas por outros. O indivíduo deve correr o risco de pensar por conta própria, apreender a realidade e assim criar uma consciência do mundo e de si sem se valer de conjunto de ideias de outrem. Alguém que busca outra dimensão da realidade além das necessidades imediatas. Contudo, não é o que vislumbramos ainda nessa dita sociedade moderna ou contemporânea. Parece-nos que cada vez mais as pessoas estão de algum modo se vendo obrigadas a "pensar por atacado" acreditando que basta se valer de um pensamento-produto em alguma prateleira acreditando estar realizando o melhor "negócio" de suas vidas. Pior ainda: ao comprarem e consumirem esses pensamentos-produtos, defendem-nos com unhas e dentes não aceitando um pensamento-produto distinto do seu, com aquela arrogância pequeno-burguesa em assumir que "o que eu tenho é melhor que o seu" não se questionando da autenticidade ou qualidade de quem os fabricou e o objetivo fundamental deste pensamento-produto revolucionário, e tal peculiaridade é ainda mais evidente e violenta nos
haters quando atuam sobretudo no mundo virtual.
|
Protágoras de Abdera. fonte: www.tautonomia.com.br |
Perguntaria Protágoras: "quem está com a verdade?" E ele próprio responderia: "Ninguém, posto que ela não existe". A realidade de cada um diz respeito a cada um, e cada realidade foi criada a partir das concepções, das disposições, dos modos de ser e de viver de cada pessoa. Sendo assim, nobres leitores, como afirmar se Dilma ou Cunha ou Temer estão certos - ou errados - em alguma coisa que eles façam ou deixem de fazer? Como afirmar e convencer os seus respectivos defensores e críticos também de que na realidade estão todos sendo ludibriados por essa aparência de verdade que eles insistem em propagar e assim defender? Esquecem-se todos de exercitar a reflexão, de perguntar, de duvidar, essa arte tão prazerosa difundida pela escola cética e que, de algum modo, faz parte do cerne do fazer filosófico, da experiência filosófica. Aliás, como realizar tal façanha, como valorizar a dúvida, se vivemos em um mundo que busca a todo instante valorizar as aplicações imediatas do conhecimento? Como privilegiar a dúvida se as concepções dos que são contra ou a favor do
impeachment da presidente Dilma estão já postas, determinadas, resolvidas, ou ainda, já se efetivaram enquanto verdades absolutas? É um dos desafios mais inglórios e mal-entendidos de que temos conhecimento.
|
Presidente Dilma Roussef e o presidente da câmara dos deputados Eduardo Cunha. Fonte: veja.abril.com.br |
Lembremos ainda que, nessa perspectiva sofística, a política nada mais seria do que um lugar para persuasão e que ninguém ali, quando entra neste meio, estaria efetivamente preocupado em assumir que a verdade não existe e que ela não passaria de pura convenção. O circo iria acabar e os artistas - longe de mim dizer que um artista circense é idêntico a um político! - não fariam mais seu
show, não ficariam mais no centro do picadeiro chamando a atenção com seus números e encenações, e fatalmente o público os abandonaria. Aliás, quem é a atração principal nesse grande picadeiro que é a realidade humana?