Mas o que é essa coisa tão alardeada que as pessoas via mídias sociais - ou não! - insistem em defender para si chamada de "senso crítico"? Serão elas "críticas" efetivamente como afirmam? Será que ser "crítico" é simplesmente ser do contra? É sempre estar do lado oposto, negando, assumir um "negacionismo", essa palavra tão em voga hoje em dia? "Poxa, cara, você tem que ter um senso crítico pra entender as coisas!", diz algum sabedor contemporâneo pleno de suas supostas certezas e que assume com todas as forças ser de cunho filosóficas - pobre coitado!
Em primeiro lugar, "senso crítico", para a filosofia, não é simplesmente "ser do contra". Não é simplesmente ser aquele cara chato que nunca concorda com nada, sobretudo entre colegas ou amigos numa simples conversa de mesa de bar... Para a filosofia, "ser crítico" vai muito mais além que essa visão no mínimo simplória, para não dizer míope ou deturpada, daquilo que talvez seja mais caro à própria filosofia. É justamente esse "ser crítico" - essa "criticidade", fazendo um neologismo que todo bom filósofo adora fazer - é o que de fato movimenta a filosofia, é o seu modus operandi, seu motor fundamental, sua espinha dorsal. Mas, reitero, não tem muito a ver com esse sentido propagado aos quatro cantos pelos neo-pensadores de Whatsapp.
A crítica, para a filosofia e em segundo lugar, estaria de algum modo vinculada à uma observação mais acurada da realidade bem como do próprio ser humano. Diz respeito a uma qualidade genuinamente humana, fruto da razão, que permite aos seres humanos "desmontar", fragmentar, analisar por partes essa realidade tocada pelo ser humano ou a si mesmo numa tentativa de enxergar aquilo que a grande maioria das pessoas não consegue realizar - e atentem que esse exercício é deveras complexo, inglório e às vezes confunde mais do que ajuda!
Essa capacidade de "desmonte", como foi dito, não é um trabalho fácil, ligeiro, feito tal qual uma regurgitada de palavras mal pensadas e muitas vezes distantes de um compromisso com aquilo que efetivamente condiz com uma construção argumentativa bem elaborada e que siga um mínimo de rigor. Essa qualidade crítica, enquanto presente no trato filosófico, exige muitos cuidados necessários para tornar sua veracidade válida - ou pelo menos coerente - e que tenha um poder persuasivo que alcance a razão, ou melhor, o lado racional. E aqui sugiro uma leitura ao comprometido leitor de um pensador alemão contemporâneo ainda vivo, Jurgen Habermas, quando trata seu conceito do - não se assustem! - "agir-racional-com-respeito-a-fins".
Mas - e aí vem uma provocação -, como tentar argumentar dessa forma, com essa incursão racional, com alguém que não exercita justamente esse lado racional tão essencial para que um diálogo sensato aconteça e permita que seu lado sentimental - ou "não-racional" - o guie? Aí é melhor esquecer tudo isso que foi dito acima e não tentar conversar desse jeito com esse alguém, porque você, muito provavelmente, irá desperdiçar seu tempo.
Essa "des-razão" ou essa "não-razão" entendo aqui neste post como pertencente ao grupo dos sentimentos, das paixões, dos desejos, isto é, tudo aquilo que a razão não consegue lidar, que não admite, pois ela reconhece suas limitações, ao contrário do seu lado antagônico. Saliento ainda que não entendo esse lado por uma perspectiva hierarquizada afirmando que um lado é superior ao outro. Que a "des-razão" é inferior ou superior à razão. O que afirmo é que, para que um diálogo aconteça sensatamente entre dois seres, é crucial o exercício de um elemento fundamental para que ambos entrem em um acordo: o lado racional de ambos. Até porque o objetivo da comunicação ou ainda da própria linguagem é simplesmente ser compreendida, entendida por aquele que emite tanto aquele que recebe.
Então, e já concluindo, "ser crítico", para a filosofia, não é simplesmente discordar de alguém por discordar. É preciso ter um certo rigor - quiçá metodológico; é preciso certa compreensão mais cautelosa, mais dedicada, conhecer melhor - por isso que ao analisar as partes, depois que se desmonta, fica mais fácil compreender todo o objeto observado e, consequentemente, agora sim, ter uma "visão crítica". É preciso conhecer bem o que se está criticando. E só se consegue realizar tal façanha se seguir esse caminho mínimo, se tiver esses cuidados elementares, caso contrário não passará de uma doxa (opinião), um discurso vazio, sem a devida profundidade, sem um conteúdo rigoroso, sem uma preocupação em ser válido, restrito por uma coerção dada pelo seu defensor, que pode ser por conta de seu status social ou pela sua entonação vigorosa pura e simplesmente, de modo violento, com arrogância e despudor além, consequentemente, de um desrespeito para com a sua própria coletividade.