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Ao me deparar com uma situação relativamente corriqueira em meu ambiente de trabalho, um aluno proferindo uma frase de maneira “errada” e o professor de prontidão corrigindo essa sua fala, surgiu uma reflexão: “afinal, o objetivo da expressão da linguagem não seria a comunicação? Se afirmativo, existe algum parâmetro efetivamente definitivo que possa nortear o falar ‘certo’, já que a língua ou a linguagem alteram-se com o tempo?”. Diante dessas e outras questões que foram surgindo por conseguinte além de uma contribuição de um professor orientador na indicação de um pensador que pudesse contribuir para tentar, ao menos, compreender o porquê de situações como essas acontecerem, eis que surge a figura do pensador russo Mikhail Bakhtin, crítico literário e filósofo, nascido no final do século XIX e falecido em meados do século posterior, preocupado em demonstrar, dentre outras ideias, o quão impregnada de ideologia se mostra a nossa linguagem.
Naturalmente que ao falarmos de ideologia não podemos deixar de citar a figura de Karl Marx. Não que ele tenha inventado esse termo, mas é o filósofo que servirá de referência para a construção da noção de ideologia apresentada por Bakhtin. Certo também que Marx preconizou uma concepção com certo teor negativo à ideologia tomando-a, fundamentalmente, como encobrimento ou ocultação da realidade. A ideologia serviria como uma espécie de mecanismo de controle que busca esconder a realidade de desigualdade colocada pela classe que controla a sociedade, a saber, a classe burguesa. Nesse sentido, Marx já havia pelo menos apontado que na linguagem, além de outros aspectos sociais, também se manifestam esses elementos ideológicos que servem aos interesses da classe mais abastada e assim corroboram na manutenção do controle dessa classe sobre uma outra.
Marx não aprofundou essa relação entre linguagem e ideologia, o que ficou a cargo de Bakhtin e de seu Círculo. Fruto de vários encontros e discussões com outros pensadores também da mesma nacionalidade, como Volóchinov, essa relação entre ideologia e linguagem foi aprofundada, mas não esgotada, diga-se de passagem, como os próprios pensadores russos atestarão em escritos posteriores. E sobre a ideologia apresentada por Marx e Engels, Bakhtin e seu Círculo não a tomarão por completo, concordando, assim, em termos com o conceito apresentado pelos autores de A ideologia alemã. Terão suas ressalvas sobre essa amplitude que inicialmente foi posta pelos pensadores alemães, muito embora Bakhtin bem como seu Círculo não se assumissem marxistas propriamente ditos, justamente para tentar fugir de ortodoxias ou de discursos “monologizantes”, como o próprio Bakhtin irá assumir quando se debruçou sobre a temática da linguagem e da sua concepção de ideologia defendendo o que ele também denominou de “plurivocidade”, um tipo de pluralismo presente no ato linguístico, resumidamente falando, mas que não pretendemos aprofundar aqui.
Bakhtin, não obstante, percebeu um desdobramento da ideologia mais complexo quando envolvida com a linguagem. Aliás, será Volóchinov quem o auxiliará concluindo que não se pode falar de linguagem sem falar de ideologia simultaneamente. É a linguagem determinada, inclusive, pela ideologia. Por isso Bakhtin e seu Círculo conceberem que tudo aquilo que se mostra ideológico é porque na realidade traz dentro de si um significado, mas mantém uma relação com algo fora de si mesmo, ou seja, resumidamente, "tudo que é ideológico é um signo. Sem signo não existe ideologia”, como definirá o próprio Bakhtin em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem.
Uma frase aparentemente simples, mas ao mesmo tempo complexa expressa por Bakhtin e Volóchinov – salientando que apenas este último juntamente com Bakhtin que tratavam efetivamente da temática em questão – logo nas primeiras páginas de Marxismo e filosofia da linguagem, ao admitir que todo e qualquer signo traz dentro de si algo ideológico, o autor russo e seu colega estariam, de algum modo, pressupondo, no mínimo, o contato entre duas categorias que seriam inseparáveis, isto é, o signo e a ideologia.
Essa afirmação será então suficiente para que se possa concluir a existência de um “mundo dos signos”, portanto de um mundo também ideológico já que ambos, o signo e a ideologia se confundem. Qualquer objeto, qualquer coisa física ou material pode ganhar algum sentido ideológico, pode tornar-se um signo ideológico. E esse signo ideológico estaria em um mundo externo que tem um poder de influência muito grande por sobre o indivíduo humano. Ambos os pensadores russos entenderam que a ideologia é de fato uma categoria que também possui esse caráter de exterioridade, visto que ela circula, que ela acontece e assim passa a ser percebida na e através das interações sociais. Aliás, parece que as interações sociais somente ocorrem em razão da existência tanto dos signos como também da ideologia. A consciência do indivíduo humano passa então a ser formada graças a essas interações que ele inevitavelmente se vê obrigado a sentir, algo inescapável de sua condição. Se se tomar, hipoteticamente, apenas dois indivíduos, um diante do outro, e estes dois forem obrigados a criar alguns símbolos para facilitar sua interação e consequentemente sua sobrevivência, isso não seria possível para a perspectiva bakhtiniana. Muito menos ainda teriam a capacidade de criar um mundo ideológico complexo. É preciso, então, a existência de pelo menos um grupo de seres humanos. É preciso uma organização coletiva e complexa maior que permita o crescimento desse mundo ideológico, desse “mundo sígnico” e assim se crie uma capacidade em oferecer uma espécie de liga, de elo que permita, desse modo, uma convivência desse grupo socialmente organizado, através da criação de regras, de padrões de comportamento ou ainda de leis que os demais pares compreendam e assim internalizem uma necessidade de reconhecimento dessas mesmas leis. Esse reconhecimento se dará inevitavelmente através de uma via ideológica, no caso, de uma via sígnica entre todos os membros que compõem essa mesma comunidade. Por isso que o indivíduo pode ser entendido como fruto do meio em que ele vive.
Para Bakhtin e Volóchinov, Marx e Engels ou os marxistas não conseguiram perceber ou aprofundar essa dimensão da relação da linguagem com a ideologia, a saber, com as superestruturas, relegando à filosofia da linguagem a tarefa de trazer às claras essa ligação, essa relação tocada, mas não aprofundada por Marx e seus seguidores. Será, nesse caso, a palavra que de fato possuirá um papel de extrema relevância porque ela funcionaria como uma espécie de ligação, de correlação entre o âmbito da superestrutura e a base social efetiva.
Tal constatação implica em assumir que cada contexto histórico, nesse sentido, manifesta sua própria forma discursiva de comunicação ideológica. Essa característica se refrata também nas relações de trabalho bem como em algum tipo de regime sociopolítico, dentre outras relações, em que se percebe como as influências transitam de uma maneira expressiva por entre e nos discursos entre os indivíduos humanos socialmente organizados. Não é gratuito, então, perceber-se que há um reflexo latente da luta de classes nos signos ideológicos que buscam evidenciar os “interesses sociais multidirecionados”.
Ao se concluir que a linguagem é fruto das estruturas sociais, implica também em afirmar que ela, a linguagem, traz dentro de si valores exclusivamente humanos, sobretudo valores efetivamente sociais. E esses mesmos valores possuem como objetivo maior reforçar ou simplesmente refletir os conflitos de classe presentes em toda sociedade que almeja legitimar o controle de uma classe sobre a outra. Talvez pior, pois tal diferenciação imposta pela classe dominante, aspira ainda em desprestigiar, em retirar o valor humano daqueles que detém uma forma de expressar-se tida como inferior por não respeitar as normas daquilo que foi estabelecido como “certo” ou “errado” por quem controla os meios de produção e consequentemente as ideologias vigentes nos meios sociais que adotam o conflito de classes como “natural” às sociedades humanas.
Marx não aprofundou essa relação entre linguagem e ideologia, o que ficou a cargo de Bakhtin e de seu Círculo. Fruto de vários encontros e discussões com outros pensadores também da mesma nacionalidade, como Volóchinov, essa relação entre ideologia e linguagem foi aprofundada, mas não esgotada, diga-se de passagem, como os próprios pensadores russos atestarão em escritos posteriores. E sobre a ideologia apresentada por Marx e Engels, Bakhtin e seu Círculo não a tomarão por completo, concordando, assim, em termos com o conceito apresentado pelos autores de A ideologia alemã. Terão suas ressalvas sobre essa amplitude que inicialmente foi posta pelos pensadores alemães, muito embora Bakhtin bem como seu Círculo não se assumissem marxistas propriamente ditos, justamente para tentar fugir de ortodoxias ou de discursos “monologizantes”, como o próprio Bakhtin irá assumir quando se debruçou sobre a temática da linguagem e da sua concepção de ideologia defendendo o que ele também denominou de “plurivocidade”, um tipo de pluralismo presente no ato linguístico, resumidamente falando, mas que não pretendemos aprofundar aqui.
Bakhtin, não obstante, percebeu um desdobramento da ideologia mais complexo quando envolvida com a linguagem. Aliás, será Volóchinov quem o auxiliará concluindo que não se pode falar de linguagem sem falar de ideologia simultaneamente. É a linguagem determinada, inclusive, pela ideologia. Por isso Bakhtin e seu Círculo conceberem que tudo aquilo que se mostra ideológico é porque na realidade traz dentro de si um significado, mas mantém uma relação com algo fora de si mesmo, ou seja, resumidamente, "tudo que é ideológico é um signo. Sem signo não existe ideologia”, como definirá o próprio Bakhtin em sua obra Marxismo e filosofia da linguagem.
Uma frase aparentemente simples, mas ao mesmo tempo complexa expressa por Bakhtin e Volóchinov – salientando que apenas este último juntamente com Bakhtin que tratavam efetivamente da temática em questão – logo nas primeiras páginas de Marxismo e filosofia da linguagem, ao admitir que todo e qualquer signo traz dentro de si algo ideológico, o autor russo e seu colega estariam, de algum modo, pressupondo, no mínimo, o contato entre duas categorias que seriam inseparáveis, isto é, o signo e a ideologia.
Essa afirmação será então suficiente para que se possa concluir a existência de um “mundo dos signos”, portanto de um mundo também ideológico já que ambos, o signo e a ideologia se confundem. Qualquer objeto, qualquer coisa física ou material pode ganhar algum sentido ideológico, pode tornar-se um signo ideológico. E esse signo ideológico estaria em um mundo externo que tem um poder de influência muito grande por sobre o indivíduo humano. Ambos os pensadores russos entenderam que a ideologia é de fato uma categoria que também possui esse caráter de exterioridade, visto que ela circula, que ela acontece e assim passa a ser percebida na e através das interações sociais. Aliás, parece que as interações sociais somente ocorrem em razão da existência tanto dos signos como também da ideologia. A consciência do indivíduo humano passa então a ser formada graças a essas interações que ele inevitavelmente se vê obrigado a sentir, algo inescapável de sua condição. Se se tomar, hipoteticamente, apenas dois indivíduos, um diante do outro, e estes dois forem obrigados a criar alguns símbolos para facilitar sua interação e consequentemente sua sobrevivência, isso não seria possível para a perspectiva bakhtiniana. Muito menos ainda teriam a capacidade de criar um mundo ideológico complexo. É preciso, então, a existência de pelo menos um grupo de seres humanos. É preciso uma organização coletiva e complexa maior que permita o crescimento desse mundo ideológico, desse “mundo sígnico” e assim se crie uma capacidade em oferecer uma espécie de liga, de elo que permita, desse modo, uma convivência desse grupo socialmente organizado, através da criação de regras, de padrões de comportamento ou ainda de leis que os demais pares compreendam e assim internalizem uma necessidade de reconhecimento dessas mesmas leis. Esse reconhecimento se dará inevitavelmente através de uma via ideológica, no caso, de uma via sígnica entre todos os membros que compõem essa mesma comunidade. Por isso que o indivíduo pode ser entendido como fruto do meio em que ele vive.
Para Bakhtin e Volóchinov, Marx e Engels ou os marxistas não conseguiram perceber ou aprofundar essa dimensão da relação da linguagem com a ideologia, a saber, com as superestruturas, relegando à filosofia da linguagem a tarefa de trazer às claras essa ligação, essa relação tocada, mas não aprofundada por Marx e seus seguidores. Será, nesse caso, a palavra que de fato possuirá um papel de extrema relevância porque ela funcionaria como uma espécie de ligação, de correlação entre o âmbito da superestrutura e a base social efetiva.
Tal constatação implica em assumir que cada contexto histórico, nesse sentido, manifesta sua própria forma discursiva de comunicação ideológica. Essa característica se refrata também nas relações de trabalho bem como em algum tipo de regime sociopolítico, dentre outras relações, em que se percebe como as influências transitam de uma maneira expressiva por entre e nos discursos entre os indivíduos humanos socialmente organizados. Não é gratuito, então, perceber-se que há um reflexo latente da luta de classes nos signos ideológicos que buscam evidenciar os “interesses sociais multidirecionados”.
Ao se concluir que a linguagem é fruto das estruturas sociais, implica também em afirmar que ela, a linguagem, traz dentro de si valores exclusivamente humanos, sobretudo valores efetivamente sociais. E esses mesmos valores possuem como objetivo maior reforçar ou simplesmente refletir os conflitos de classe presentes em toda sociedade que almeja legitimar o controle de uma classe sobre a outra. Talvez pior, pois tal diferenciação imposta pela classe dominante, aspira ainda em desprestigiar, em retirar o valor humano daqueles que detém uma forma de expressar-se tida como inferior por não respeitar as normas daquilo que foi estabelecido como “certo” ou “errado” por quem controla os meios de produção e consequentemente as ideologias vigentes nos meios sociais que adotam o conflito de classes como “natural” às sociedades humanas.