sábado, 10 de março de 2012

Livro: um peso morto para a educação pública

 


O ano letivo que iniciou trouxe boas novas para os professores de filosofia da rede estadual de Sergipe. Depois de algum tempo de lutas e conflitos junto aos órgãos competentes para o devido reconhecimento e inclusão da citada matéria pelo menos no ensino médio, os responsáveis por essas articulações junto à máquina do Estado enfim foram sensibilizados - principalmente depois da inclusão de conceitos filosóficos no ENEM, aliás, o "santo" ENEM. Lembro-me da época que, em parceria com nobres colegas do curso de filosofia da Universidade Federalde Sergipe, como André, Santa Rosa e Salomão, e de alguns professores como Marcos André, buscávamos através da nossa participação ligeira no nosso Centro Acadêmico (o CAFIL) sensibilizar algumas autoridades do Estado ou da própria UFS para incorporar pelo menos os conteúdos de filosofia no exame do vestibular hoje extinto. As experiências foram boas, mas as conquistas nem tanto.

Passado algum tempo, o estado de Segipe abre concurso e alguns colegas, assim como eu, fizemos e hoje estamos a serviço daquilo que outrora criticávamos constantemente - mas ainda me sinto como uma "contra-mola que resiste" mesmo estando na folha de pagamento do servidor público, pois ainda há muito para se criticar nessa máquina burocrática que é o Estado. Dentro do Estado conseguimos criar então novas perspectivas a respeito da realidade do ensino de filosofia, do impacto dessa matéria nos alunos bem como da sua "importância" em relação às demais matérias. Se bem que ainda vivenciamos uma cultura escolar que busca valorizar sempre matemática e língua portuguesa em relação às outras matérias. Bom, mas isso não vem ao caso nesse momento.

Assim que entramos em sala de aula pudemos vislumbrar uma realidade completamente distinta daquela que estávamos acostumados no nosso curso superior, por exemplo, a aula de filosofia dura 50 minutos; só existe uma aula por semana e uma quantidade de conteúdos que não condiz com o tempo ofertado; os alunos - bem como alguns colegas - desprestigiam a matéria por concordar que nela "todo mundo passa" e que, portanto, ela é "fácil"; reprovar em filosofia ou fazer recuperação para filosofia chega a ser uma afronta aos alunos, quase uma vergonha - certa vez tive que engolir de uma aluna que não aceitava fazer a prova de recuperação só em filosofia já que tinha passado em todas as outras; isso sem comentar a dificuldade de boa parte do alunado em interpretar textos muito menos escrever um simples texto.

É bom deixar claro que acredito que isso não seja uma culpa do nosso aluno, pelo contrário, ele, assim como os professores de filosofia, são vítimas de uma cultura excludente quanto às matérias que exigem um pouco mais de rigor interpretativo assim como de uma ordem prática vigente na nossa sociedade que não aceita matérias que trabalham unicamente com conceitos ou ainda com o abstrato, necessariamente nós, professores de filosofia, somos forçados a convencer nosso aluno de que trabalhar apenas com a crítica, com a desconstrução da realidade seja algo realmente de interesse dele e que tal artifício ajuda-o a viver com um pouco mais de consciência em relação às coisas do mundo. Mas como discutir com um aluno nos moldes filosóficos se ele está costumado a "pensar" com o time da tevê? Bom, mas isso também não vem ao caso nesse momento.

Vamos às boas novas! Diante desse quadro no mínimo desestimulante para o professor de filosofia, eis que uma fagulha de esperança surge: os livros de filosofia para o ensino médio enfim chegaram às nossas salas de aula! Agora sim não me esforçarei mais em fazer aqueles resuminhos buscando mastigar ao máximo os conceitos e aspectos - ufa! que trabalho... - para escrever no quadro durante metade da aula e explicá-lo no restante torcendo para o aluno não ter dúvida e assim tomar mais tempo e atrasar o conteúdo; ou então não precisarei mais criar apostilas "sorteando" os conteúdos que minha percepção acredita ser mais adequada para determinada série deixando outros conteúdos de fora. Sim, agora, finalmente, terei minha rendenção. Bastará chegar à sala de aula e o nosso aluno já estará com o referido livro em mãos pronto para mergulhar no mar do conhecimento...

Agora o aluno do ensino médio dispõe de onze livros, dentre esses onze o de filosofia. Mas eis que uma ducha de água fria cai por sobre a "fagulha de esperança": "Professor?! Não podemos carregar esses livros todos os dias!", diz um aluno revoltado com a entrega dos livros na escola. "Meu querido, você só vai precisar carregar no máximo cinco por dia!", respondi crente de que o dito cujo compreenderia que para o conhecimento livro não tem peso - que lindo... "Ah, professor, dê um jeito porquê eu não sou burro de carga para carregar cinco livros todos os dias para a escola". Fechei os olhos, respirei fundo, pensei uma quantidade de respostas para retribuir, algumas bem escabrosas, mas preferi esta: "Está bem, meu querido, se preferir, não traga nada, é sua a escolha". Contudo, depois de ouvir não só essa mas muitas outras reclamações dos alunos sobre esse peso, eis que, numa reunião de pais e mestres logo em seguida, surge uma mãe transtornada porque o filho dela de treze anos não poderia carregar os livros todos os dias, a escola deveria dar um jeito e solucionar esse "impasse"...

Fechei os olhos de novo seguido de uma respiração bem profunda, pensei num palavrão para gritar como desabafo, mas fui tomado por lembranças de minha época quando estudante também de escola pública e que mal possuía dois livros e ficava invejando os alunos de escola particular quando seus pais gastavam uma quantia considerável só com livros; lembrei também da dificuldade até de tirar cópias das apostilas que o professor solicitava, de como as aulas eram escassas de imagens, de leituras, era basicamente escrever no quadro durante boa parte da aula - ora, o que venho fazendo até hoje! - copiando tudo que estava nele; lembrei também que fazia três ou quatro provas por ano e só havia uma recuperação anual, se perdesse nela, já era, tinha que cursar o ano perdido tudo de novo; se quizesse fazer o vestibular e concorrer com os alunos das escolas particulares, tinha que fazer isso com muita boa vontade, determinação, e sequer sonhar com os cursos mais concorridos, que só os "filhinhos de papai" faziam como medicina e direito... Pois é... Olhei de novo para essa mãe e calei até a alma...

2 comentários:

  1. Não se preocupe! Em um futuro próximo nossos alunos vão ganhar um tablet com todos os livros didáticos dentro dele, e também com jogos, vídeos, musicas, msn, etc. Aí meu amigo vamos ter que inventar aulas com "jogos filosóficos", porque ler no tablet será um martírio para nossos alunos. Se é que vamos conseguir dar aulas...

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