sábado, 20 de abril de 2013

O MUNDO DA APARÊNCIA OU DA TITULAÇÃO

Ao preparar uma aula sobre Platão para os alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) aqui no município onde trabalho, deparei-me novamente com os conceitos e aspectos que identificam a filosofia platônica e pude então refazer minha perspectiva a respeito de sua filosofia e o impacto dela nos dias de hoje. Ao realizar isso, pude perceber, mais uma vez, o porquê de este filósofo grego ser tratado como referência, como base, como clássico de fato na tradição filosófica ocidental.

Obviamente que não farei aqui uma interpretação aprofundada, rebuscada, acadêmica sobre este fantástico filósofo. No muito, inclusive como é próprio da proposta deste blogue, farei minhas inserções de cunho meramente "filosofante" neste post para que o leigo possa compreender o papel que a filosofia, em especial a filosofia platônica, pode auxiliar o ser humano na busca de sentido da nossa realidade tão mascarada, tão escondida e tão enviesada de ideologias dominantes. Obviamente também que a proposta deste post não é de mostrar o quão Platão deve ser considerado como dono absoluto da verdade, mas sim como um filósofo pode oferecer a nós uma, frise-se bem, uma perspectiva sobre a realidade.

Sinteticamente, Platão nos fala que as aparências constituem o que ele chama de "mundo dos sentidos", mundo este conceituado como algo plural, variável no qual cada um de nós nos apegamos ou nos afeiçoamos por verdades aparentes. E por isso nosso comportamento também ser variável quando se refere às verdades que assumimos durante nossa vida. Platão nos leva a crer que esse mundo nos ilude, nos impõe aparências das mais diversas possíveis confundindo-nos e nos afastando do real mundo, do mundo verdadeiro, do "mundo das essências" ou das "ideias". Este mundo que, no dizer filosófico de Platão, é o que efetivamente nos deve importar.

Nosso mundo é repleto de ilusões, de aparências. Lidamos com pessoas em qualquer ambiente social que acreditam no poder atribuído aos títulos sociais, à sua aparência, ao seu rótulo social. Os títulos que as pessoas adquirem, por exemplo, denotam facilmente essa compreensão platônica de que o mundo dos homens está eivado dessa futilidade aparente de se buscar reconhecimento, notoriedade, fama, riqueza, não pelo que a pessoa é própria ou essencialmente, mas pelo que ela tenta "parecer".

Cada vez mais vemos indivíduos e mais indivíduos preocupados em possuir uma profissão, um título - algo tratado como genuinamente "natural" nas sociedades hodiernas - e assim serem tratados pelo título e não pelo que efetivamente são. Na televisão, para ilustrar melhor, se alguém der alguma entrevista, necessariamente logo abaixo ou associado ao seu nome tem que existir seu título, sua profissão, com o objetivo de validar aquele discurso e assim tornar aquele indivíduo mais respeitoso - ou não. Se um pedreiro é perguntado sobre o que ele acha da vida, sua resposta será tratada como simplista, sem "profundidade", "ah, é um pedreiro, o que se pode esperar dele..." dirão os críticos de plantão, porém, quando se trata de um advogado a falar sobre o mesmo assunto, "nossa, esse cara sabe falar...".

Se o indivíduo então decidir procurar um emprego, "mostrar o seu valor para a sociedade", mais uma vez terá que se deparar com essa necessidade da aparência. Tanto a aparência física do indivíduo quanto a aparência "não-física", como os seus títulos. E, claro, quanto mais títulos este indivíduo possuir associado a sua bela aparência, suas chances serão também bem maiores para conseguir o cargo almejado.

Quantas e quantas vezes também somos de alguma forma obrigados a lidar com algum indivíduo que se julga melhor do que os outros pelo simples fato de "ser" um policial, um advogado, um professor ou alguém que possui um emprego que o remunere bem, esquecendo-se eles que eles não "são" o que dizem ser, mas meras "sombras", meras representações mal-feitas e sobretudo iludidas diante disso que eles denominam ser quando na verdade eles "não são". Eu posso "estar" um professor, um advogado, um policial, mas não sou essencialmente isso que a sociedade me impõe ou que eu acredite que "seja" porque minha essência não é isso, de acordo com uma interpretação platônica, e que em virtude desse mundo plural, variável que vivemos, sou iludido a acreditar que essa aparência, que essa sombra seja efetivamente real.

Nos deparamos com pessoas que tentam nos convencer de nossa "incapacidade" já que não dispomos das mesmas quantidades de títulos que essas pessoas. Seus títulos os tornariam, segundo eles, melhores. Estas pessoas não passam de vítimas dessa sociedade, ou melhor, deste mundo das aparências apontado por Platão. Crentes de que estão com a verdade, por possuírem um conhecimento aparente com o acúmulo de seus títulos, as verdades dessas pessoas as confundem, levam-nas a afirmar que elas seriam e devem ser consideradas as melhores ou receber um melhor tratamento dentro da sociedade da qual fazem parte. Sustentadas nessas verdades aparentes, essas pessoas demonstram o quão pobres de espírito são justamente por tentar não só nos convencer de que suas titulações os qualificariam como "melhores" esquecendo-se elas, ainda de acordo com a filosofia platônica, que suas verdades não passam de simples opiniões (doxa) e assim, consequentemente, por se tratar de opinião, essas opiniões naturalmente ocultam interesses meramente pessoais e portanto não verdadeiros.

4 comentários:

  1. Sei que vou apenas divagar, o que vou dizer não serve de absolutamente nada a não ser para compartilhar um sentimento.
    A exigência de comprovar determinada história para com a vida produtiva, afunila cada vez mais os meios de se viver nesta sociedade, faz as pessoas se perderem de si mesmas.

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    1. Pois é. Em muitos momentos nos percebemos com uma sensação de solidão imensa diante de um mundo que se prende ao aparente, ao superficial...

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  2. Eses donos de verdades que afloram de sua própria sombra não passam de coisas que se deslocam pra lá e pra cá a procura de vítimas que lhes coloquem a coroa enferrujada que embala seus desejos de dominação e masoquismo. Platão nos ensina pedagogicamente como lidar com essas coisas rastejantes,

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