segunda-feira, 22 de julho de 2019

Indivíduo humano: um caçador de si

É fato, a "Idade das Trevas", preconceituosamente atribuído ao período histórico no qual a Igreja havia dominado política e ideologicamente a civilização ocidental, ainda abana suas asas sombrias por sobre nossas cabeças. É fato que a filosofia nos ajudara a sucumbir ante essas hostes assim como, maravilhosamente, ajudou a nos libertar delas. Hoje, mais do que nunca, urge a necessidade de compreender a filosofia como algo distinto à civilização. A máxima de Cioran, mais uma vez, nos impele a tal constatação: "toda filosofia sincera renega os títulos da civilização"! Nessa frase está patente uma filosofia efetiva, plena, autêntica. Uma filosofia que não se deixa levar por rotulações que busquem unicamente esconder algo que a maioria das pessoas, ditas civilizadas, rejeita ou não quer enxergar. A verdade nua e crua amarga o sabor. Dói na alma. E tal qual essa verdade, a filosofia sincera, a morada dessa verdade, não está a serviço de ninguém, aliás, está a serviço dela mesma, de sua busca pela autenticidade, de sua forma simples, pura, única. A civilização não está e nem pretende envolver-se com essa filosofia sincera. Não há necessidade, já que, se isso acontecer, será um suicídio! A civilização não está preocupada com essa filosofia, com a filosofia humana, que busca desvelar justamente o que a civilização pretende obnubilar, sobretudo no próprio indivíduo humano, a vítima de uma "poda" civilizatória, de um cerceamento que objetiva controlar e controlar aquilo que há de mais puro no indivíduo humano: seu eu; aquilo que o torna o "ser-em-si"; numa palavra, seu eu autêntico. Não cabe à civilização buscar ou, ao menos, auxiliar o indivíduo humano nessa sua caminhada de si. Cabe ao ser humano ser um "caçador de si", mas que possa reconhecer que a civilização, nessa sua busca individual, somente o afastará de seu objetivo mais relevante a si mesmo: ser ele próprio. O propósito da civilização é justamente o contrário: impor ao indivíduo humano uma condição de clausura, reforçar em seu âmago um elo com algo alheio a ele próprio, a saber, essa dita civilização que mais parece retirar sua humanidade que fortalece-la. Mais uma vez, à civilização cabe tão somente o árduo trabalho de incutir na consciência humana e assim fazer propagar tal qual um tumor maligno a forçosidade de que o coletivo, o grupo, enfim, a civilização é maior, mais importante que o indivíduo humano. As ideias possuem esse propósito. Sobretudo aquelas lançadas aos quatro cantos de uma sociedade humana qualquer através do que denominam "instituições". Por isso reflexões de um Nietzsche - "sê tu mesmo!" - soar como ofensa aos ouvidos dos responsáveis pela manipulação e controle das sociedades humanas e que se autoproclamam defensores dessa dita civilização humana. Naturalmente que alguns poucos indivíduos humanos conseguem, a duras penas, tal façanha, porém é um trabalho historicamente hercúleo, que exige sacrifícios talvez impensáveis, sacrifícios esses que são, inclusive, originados pela própria civilização, afinal, não custa relembrar, o propósito maior dessa coisa que insistimos em denominar de civilização é justamente dirimir a menor possibilidade de o indivíduo humano ser simplesmente aquilo que ele é em sua pureza ou que ele pretende sinceramente ser. Esse papel cabe à filosofia sincera, e por isso ela sofrer tanta rejeição desde os gregos até os dias atuais, principalmente por aqueles que manipulam as sociedades. Essa dita civilização, além de impor seus obstáculos, suas armadilhas para que o indivíduo humano iluda-se, confunda-se diante de sua busca pela sua autenticidade, cria ideias como vocação, como profissão, alegando que tais alcunhas refiram-se ao sujeito efetivamente, ao próprio indivíduo humano. Perceba, por exemplo, por que será que todo e qualquer indivíduo que apareça naquela caixinha mágica a que chamamos carinhosamente de televisão há, logo abaixo de seu nome, sua profissão? Muitas vezes as profissões não dizem respeito ao indivíduo humano, mas sim a uma ordem econômica que obriga seus contemporâneos a aceitar tal imposição. Pergunta: e se o indivíduo humano simplesmente não aceitar o leque de opções que a civilização dita moderna rotula como profissão? O que se faz a um indivíduo humano que não descobriu - e talvez nem queira! - ser entendido ou fazer parte desse meio social, civilizatório que é a profissão? Se ele pretender, simplesmente, existir?

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